Não dá para considerar o documento de 81 páginas apresentado ontem ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelo candidato Jair Bolsonaro um programa de governo. Tem mais cara de carta de intenções ou declaração de princípios.
Mistura ideias corretas (o diagnóstico sobre a crise fiscal, a necessidade de reduzir o número de ministérios, a liberdade de imprensa e a independência do Judiciário), propostas pueris (ideias sobre educação, saúde ou política externa com assovios ideológicos em vez de análise embasada), outras comprovadamente erradas (a associação entre porte de armas e redução da violência) àquelas que podem simplesmente se revelar inexequíveis ou oníricas (redução da dívida pública em 20% ou adoção e cobrança de metas para alocações orçamentárias).
Suas propostas para a economia são insuficientes (não há uma lista de estatais a privatizar nem quanta receita cada uma poderia render), para o Nordeste são vagas, para a política externa, aviação, portos, transportes e energia são um amontoado de truísmos banais. Mesmo em segurança e corrupção, em tese as bandeiras centrais da campanha de Bolsonaro, o discurso se limita a repetir chavões caros aos conservadores, atribuindo nossa crise aguda a inimigos imaginários, como o Foro de São Paulo.
É um documento rico em intenções, mas pobre em ideias para execução. Deixa evidente a carência de assessores competentes em áreas-chave, resultado provável do desprezo pelo trabalho acadêmico, pela pesquisa séria e pela compreensão dos conflitos inerentes à implementação das políticas públicas.
Reconhece a necessidade de reduzir o déficit fiscal, mas não apresenta nenhuma proposta de reforma da Previdência. Proclama-se liberal, mas não diz como serão tratados os grupos de interesse e lobbys incrustados na máquina pública, em especial no funcionalismo. Afirma compromisso com a Constituição, mas não traz nenhuma análise das dificuldades jurídicas ou obstáculos legais a enfrentar para implementar propostas como o Orçamento Base Zero ou as metas para gestores públicos.
É um mistério como governará sem dispor de uma coalizão sólida no Congresso ou como porá em prática a proposta de transformar seus ministros em “executivos” que coordenam esforços dos governadores. Não é bem isso o que determina a Constituição que ele afirma respeitar. Por fim, o documento ignora temas divisivos como aborto, política de cotas ou direitos de minorias.
A própria forma de elaboração – apresentação em formato PowerPoint em vez de texto – é sinal da dificuldade de lidar em profundidade com os temas em discussão. Em vários trechos, parece mais um panfleto ideológico destinado à militância que um elenco de propostas sérias para governar o país.
Nas entrevistas e debates a que Bolsonaro será submetido durante a campanha, é fundamentel questioná-lo sobre todas as ideias que parecem mal-explicadas e obrigá-lo a detalhar seus planos em áreas como reforma da Previdência ou funcionalismo público.
Pelas pesquisas, Bolsonaro é hoje o favorito a vencer a eleição de outubro. Não se sabe o efeito que a campanha eleitoral terá em sua candidatura. Mas quem espera mesmo algo de novo na política brasileira precisa mais do que uma apresentação simplista, repleta de clichês e ideologia, em que até as boas propostas podem fracassar diante da pobreza nos planos para execução. Se vencer, um programa desses teria provavelmente o mesmo destino de todas as cartas de intenção na história brasileira: o oblívio.