Às vésperas de concorrer pela terceira vez ao posto de presidente da República, Marina Silva, da Rede, desponta com 15% das intenções de voto em cenários sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de acordo com a mais recente pesquisa Datafolha.
Marina estaria atrás apenas de Jair Bolsonaro, do PSL, que registra 19% das preferências. Marina, Bolsonaro e os demais candidatos deverão disputar os cerca de 30% de eleitores que ficarão sem candidato caso o rosto de Lula não figure na urna eletrônica em outubro.
Ex-ministra do Meio Ambiente de Lula e ex-integrante do PT, do qual saiu em 2009 após 30 anos de militância, Marina tem proximidade histórica com os simpatizantes do PT. No entanto, nos últimos anos, se afastou desse espectro político e passou a defender posições opostas às da legenda.
Marina apoiou o tucano Aécio Neves na disputa presidencial de 2014, foi favorável ao impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e tem se mostrado entusiasta da Operação Lava Jato, o que pode dificultar sua aproximação em relação ao público órfão de Lula, condenado e preso no âmbito das investigações. “Não posso mudar de opinião de forma oportunista só para conquistar os votos daqueles que manifestem a intenção de votar nesse ou naquele candidato”, diz Marina.
Apesar dos bons números que apresenta nas pesquisas, a julgar pelos recursos, Marina terá pela frente a campanha mais difícil entre suas três tentativas de chegar ao Planalto. Se em 2010 obteve quase um minuto e meio de TV e, em 2014, contava com dois minutos e 20 segundos de propaganda televisiva, agora terá meros 8 segundos para falar diariamente ao eleitor.
Pelas negociações de coligação em curso, a ex-senadora pelo Acre terá que contar apenas com a estrutura da sua recém-criada Rede. O PSB, partido pelo qual ela concorreu no último pleito, faz acenos em direção a seu oponente Ciro Gomes (PDT). “Se hoje o PSB tem um entendimento de que não quer caminhar conosco, eu respeito a decisão deles”, diz Marina.
Sobre afirmações recentes do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de que seu nome não pode ser descartado como opção para o centro político, Marina diz que ele “não encontra eco dentro da estrutura do PSDB” e aproveita para alfinetar tucanos e petistas, acusados por ela de não fazer autocrítica. Mas garante que não terá “preconceito” com lideranças partidárias se vencer a disputa e compara seu futuro esforço de compor uma base governista no Congresso ao da chanceler alemã Angela Merkel, que levou seis meses para obter uma coalizão no Parlamento em 2018.
Auxiliada por dois economistas de inspiração liberal – André Lara Resende e Eduardo Giannetti – ela afirma que não privatizará nem a Petrobras, nem os bancos públicos. Promete rever a reforma trabalhista e alterar os parâmetros do teto de gastos aprovado por Michel Temer.
A reforma da Previdência sairia no começo de seu governo, defende. Em entrevista à BBC News Brasil, diz ser contra a legalização do aborto e a descriminalização das drogas. E favorável à intervenção do Exército na segurança pública do Rio de Janeiro. “Desconheço qualquer um que defenda que o Rio deveria ficar entregue à sua própria sorte”.
Marina Silva – Primeiro, eu não entendi como uma crítica, entendi como um elogio, porque quando ele falou em ser líder de movimento ele fez referência a duas grandes figuras que me são muito caras, que é o (indiano pacifista Mahatma) Gandhi e o (líder negro americano) Martin Luther King, então eu entendi como um elogio, porque essas figuras para mim estão no topo da montanha.
E eu acho que esse é um momento em que a política está passando por uma profunda crise e uma profunda transformação no mundo, ainda que não seja tão perceptível assim. Cada vez mais você vai ter que pensar a política como parte da própria dinâmica social, onde você pode intercalar o papel de uma liderança política e o de uma liderança social.
BBC News Brasil – Não há uma contradição entre uma coisa e outra?
Marina – No meu entendimento não. Eu não quero confinar a minha militância e o meu ativismo socioambiental para poder ser política. Não tenho que confinar meu compromisso com a luta pela educação, pelos direitos humanos, pela causa indígena, para poder ser política.
Eu posso tratar dos temas de interesse do conjunto da sociedade brasileira e eles não são incompatíveis. Aliás, ter essa integração com a sociedade é o desafio do século 21.
BBC News Brasil – Do ponto de vista prático, pensando em como o Congresso tem funcionado, imaginando que para que ele funcione de outra forma seria preciso uma reforma política, a ser aprovada pelo mesmo Congresso, como a senhora imagina governar tendo uma bancada que hoje é de dois deputados?
Marina – Os governos que têm 200, 300, 400 deputados estão governando? A Dilma tinha mais de 300 deputados e não governou. O Temer tem praticamente a mesma coisa e quem é que disse que ele está governando o Brasil?
Não é a quantidade de deputados do partido, é a quantidade de deputados do Congresso que têm compromisso com o país para resolver os graves problemas que estamos enfrentando na saúde, na educação, na segurança pública que está um caos com o aumento exacerbado da violência, em vários Estados fora de controle, como resolver o problema de um país que até ontem tinha pleno emprego e agora temos quase 25 milhões de pessoas vivendo em situação de penúria.
Quem tiver compromisso com um programa para tirar o país dessa situação difícil, com certeza, a partir do compromisso firmado entre essas pessoas do Parlamento e o governo, nós faremos completamente diferente. A Angela Merkel, na Alemanha, ficou quase seis meses tentando montar sua base de apoio. E ela fez isso com um contrato de governo, não foi distribuindo diretorias de empresas estatais ou oferecendo qualquer tipo de vantagens ilícitas para os partidos, as lideranças políticas ou as empresas.
A Itália, que entrou também em uma situação difícil entra a Liga (Norte, populistas de extrema-direita) e o Movimento Cinco estrelas (partido antiestablishment), ficaram também negociando quase cinco meses e vão agora fazer um contrato de governo.
Nós temos que sair do velho e degradado presidencialismo de coalizão, com base em atitudes fisiológicas, para o presidencialismo de proposição, onde a maioria do Congresso e a composição do governo se dá pelo compromisso com o programa. E o programa será legitimado e chancelado pela sociedade e é preciso que o Brasil tenha que entender que estamos no fundo do poço e não podemos ir para um poço sem fundo.
Se ganhar, eu não terei preconceito com lideranças políticas, pessoas corretas do ponto de vista ético, competentes do ponto de vista técnico e com capacidade política de mediar de forma legítima os interesses, não terei nenhum problema com pessoas de partidos, nem todas as pessoas de partidos são corruptas.
BBC News Brasil – Se eleita, a senhora imagina ter um período de negociação com o Congresso, para que esse Congresso compre suas ideias e passe a implementá-las como parte do seu projeto?
Marina – No Brasil nós já temos uma experiência e esse período não precisa ser tão longo. O governo Itamar Franco, quando assumiu, foi algo semelhante, pessoas de diferentes partidos ajudaram o Brasil a fazer uma transição. E quem for eleito agora, se tiver a pretensão de mais um projeto de poder de 20 anos como fez o PT, como fez o PSDB, está muito enganado, nós só vamos aprofundar essa polarização, que poderá levar o país a uma cisão.
Por isso que eu sou contra a reeleição. Se ganhar, teremos apenas quatro anos de mandato para fazer essa transição para uma nova base de prioridades para o Brasil do século 21. Com isso, tenho certeza que vamos ter os melhores quadros da sociedade, da academia, dos empresários e dos partidos para compor essa maioria no Congresso.
BBC News Brasil – É um compromisso da senhora não se candidatar à reeleição?
Marina – Eu sou contra a reeleição desde a sua origem e estou cada vez mais convicta de que na reforma política teremos que acabar com a reeleição. A reeleição criou um grave problema: as pessoas não fazem o que é necessário para o país, para a sociedade, as pessoas fazem o que é necessário para se reeleger.
Se, para isso, tiverem que roubar, elas acabaram roubando, e a Lava Jato está dizendo isso. Então minha proposta vai ser: fim da reeleição ampliando para cinco anos de mandato do presidente, do governador, do prefeito a partir de 2022. Eu terei apenas quatro anos porque não se pode mudar as regras do jogo durante o jogo.
BBC News Brasil – Que outras propostas constam da sua reforma política?
Marina – O voto distrital misto, acho que vai fortalecer o processo político criando mais vínculo e mais proximidade (do parlamentar) com a sociedade. Aprovar as candidaturas independentes, para quebrar o monopólio dos partidos.
Na Itália, eu conheci em 1996 a ideia da lista cívica, mas isso acontece em vários países do mundo, em que é possível sair candidato sem ser por partido. Os partidos têm hoje o monopólio da política e dentro deles já não se discutem propostas, projeto de país, só se discute projeto de poder.
Dentro dos partidos não há mais mobilidade política, as lideranças, ou são as mesmas, ou as que conseguem entrar em algum espaço, com alguma possibilidade de disputa, são aqueles que vêm pelas mãos dos supostos donos dos partidos.
Se você tiver a possibilidade de recrutar representantes políticos da sociedade de uma forma direta, você cria uma concorrência idônea com os partidos e talvez isso os ajude na mobilidade interna para a renovação dos seus quadros.
BBC News Brasil – O ex-presidente Fernando Henrique tem falado sobre alguns desses problemas e tem tentado viabilizar uma candidatura de centro. Chegou a dizer que o nome da senhora deveria ser levado em conta. Como estão as conversas com o ex-presidente? Há em curso uma negociação com o PSDB, a senhora aceitaria o apoio deles?
Marina – Não há em curso nenhuma negociação, não tenho conversado com o presidente Fernando Henrique. Ele tem manifestado preocupações com a crise política e do sistema político, algo que é compartilhado pelo conjunto da sociedade brasileira. E eu, desde 2010, venho levantando a necessidade de um novo alinhamento político no Brasil, mas obviamente que esse novo alinhamento não é para que as forças com potencial de mudança sejam assimiladas ou fagocitadas pelos grandes partidos da polarização.
Acho que a contribuição do PT e do PSDB foi genuína e muito importante, um com o Plano Real e o outro com programas sociais que tiraram milhões da pobreza. Como esses partidos se perderam na lógica do poder pelo poder, até mesmo o que havíamos conquistado, acabamos perdendo, em um processo profundo de estagnação, cujo pior resultado foi esse que veio à tona com a Lava Jato, (a descoberta) da corrupção sistêmica.
Por isso que, agora, é preciso que novas forças tenham espaço para dar a sua contribuição. É preciso que se pense a mudança, não pelas mãos daqueles que criaram os problemas e pelas práticas dos que criaram os problemas. Eu entendo que mesmo dentro desses partidos estagnados podem surgir nomes questionando, só tem que ter o cuidado para que não se ache que se pode colocar vinho novo em odre velho.
BBC News Brasil – Esse é um recado da senhora para o PSDB?
Marina – Esse é um recado para mim mesma, um recado para que os que querem verdadeiras mudanças inclusive desses partidos. Para que a gente não esteja colocando vinho novo em odre velho é preciso que se faça uma profunda autocrítica, coisa que eu não vejo na maioria desses partidos.
Acho que o presidente Fernando Henrique tem muito mais liberdade para fazer essas reflexões, até por ser sociólogo, e é positivo que o faça, mas ele não encontra eco na estrutura do PSDB. Assim como pessoas que eu sei que fazem críticas no PT não encontram eco, porque o PT também não faz autocrítica.
BBC News Brasil – Pensando ainda em coligações, em 2014 a senhora esteve com o PSB (vice na chapa de Eduardo Campos, que acabou morto em um acidente aéreo durante a campanha). Não seria natural que agora eles estivessem com a senhora? Por que essa aliança aparentemente não vai se dar?
Marina – Eu, quando fui apoiar o Eduardo Campos, o fiz por uma compreensão política naquele momento de que o Brasil precisava de mudança e diante da articulação política para que eu não pudesse disputar, para impedir o registro da Rede, diante daquela situação, eu tomei a decisão. Mesmo estando com 24% das intenções de voto e ele tendo menos de 10%, eu decidi apoiar.
Mas aquilo foi um gesto da minha parte, da parte da Rede. Eu não fiz contando com uma contrapartida no futuro. E se hoje o PSB tem um entendimento de que não quer caminhar conosco, eu respeito a decisão deles. É uma eleição em dois turnos.
BBC News Brasil – A senhora se identifica com o PSB ainda hoje?
Marina – É claro. O fato de os dirigentes do PSB terem uma atitude de que nesse momento eles querem buscar outras alternativas não anula a avaliação que eu tinha em muitos aspectos em 2014.
BBC News Brasil – Alguns colaboradores (como Luiz Eduardo Soares) a deixaram nos últimos 4 anos com críticas de que a Rede sofre de indefinição política, um “vazio de posicionamentos políticos”. Hoje, seus principais oponentes, descontado o ex-presidente Lula, são Bolsonaro e Ciro Gomes, ambos com posturas assertivas e rigorosas. Como a senhora vai atingir os eleitores que estão buscando posicionamentos mais firmes?
Marina – Eu discordo de que as pessoas que saíram foi porque não tivesse posicionamento e porque não sou uma pessoa rigorosa. Acho que as pessoas saíram por não concordar com esses posicionamentos. Em relação ao impeachment, quando cheguei a um convencimento, me posicionei que deveria sim ter impeachment. Quem é que não se posicionou sobre corrupção?
Me posiciono o tempo todo a favor da Lava Jato, quem se posicionou para que investigado não entre em linha sucessória? Quem se posicionou pela cassação da chapa Dilma-Temer? Quem se posicionou contra a lei de abuso de autoridade? Quem se posicionou em relação a não dar anistia ao caixa dois? Todos esses posicionamentos foram meus. As pessoas podem discordar dele, mas (dizer) que não me posicionei, eu discordo.
BBC News Brasil – Como vai se comportar em relação a Bolsonaro e Ciro?
Marina – Eu não posso caricaturar os meus adversários, é legítimo que eles tenham a sua postura. As pessoas vão analisar, além de propostas, trajetórias de vida, estilos de governo, é isso que vai definir.
Não vou mobilizar pessoas para ser contra o Ciro e o Bolsonaro. Não vou ter uma atitude de desconstrução de ninguém. Quando eu discordo do Bolsonaro, eu discordo de que mais violência resolve o problema de segurança pública, discordo de que distribuindo armas para as pessoas nós vamos dar mais segurança para cada família.
BBC News Brasil – A senhora tem tomado posicionamentos que a afastaram do espectro da esquerda da política brasileira. O apoio ao Aécio em 2014, o apoio ao impeachment, essas posições que a senhora acaba de listar, etc. Nesse momento, existem 30% de intenções de voto depositadas em Lula, um candidato que não deve estar nas urnas. Esses eleitores ficarão órfãos e vão buscar outros candidatos. Como a senhora vai conseguir atraí-los tendo feito esses movimentos políticos de 2014 pra cá?
Marina – Somos uma força que não se prende a rótulos centro, esquerda, direita, até porque isso já não diz mais muita coisa. O que é ser de esquerda? É ser contra o Lava Jato? É se unir com o Sarney, se unir com o Collor, se unir com o Renan (Calheiros), com o Romero Jucá, com o Maluf? Isso já não diz mais nada.
Desde 2010, nós estamos buscando um novo caminho. E obviamente que vou tratar todos os cidadãos com respeito, e precisamos dialogar com todos eles. Mas eu não posso mudar de opinião de forma oportunista só para conquistar os votos daqueles que manifestem a intenção de votar nesse ou naquele candidato.
Eu quero convencer as pessoas a partir das ideias que temos, e elas entendendo que o Brasil precisa de alguém que tenha a capacidade de unir os brasileiros e que os grupos que se colocam nos polos só vão aprofundar cada vez mais a disputa entre si.
BBC News Brasil – A senhora tem falado muito da Lava Jato com entusiasmo, e a senhora foi ministra da gestão Lula por sete anos, fundou o PT junto a ele. Hoje o presidente Lula está preso, condenado por corrupção. A senhora, enquanto esteve ao lado dele, nunca notou ou suspeitou de corrupção? A senhora realmente acredita que o presidente Lula seja corrupto como diz a Lava Jato?
Marina – Os autos foram devidamente trabalhados, com todo rigor que é necessário para um julgamento dessa magnitude. Os advogados do presidente Lula com certeza são muito bem pagos e competentes, todas as instâncias foram acionadas para assegurar a ele o mais amplo direito de defesa.
O que eu não posso é, independente das relações históricas de amizade, do que quer que seja que eu tenha com as pessoas, achar que a Justiça deve se adaptar às pessoas. Não se pode ter uma justiça com dois pesos e duas medidas, uma para os aliados e outra para os adversários.
Se erros foram cometidos, a melhor forma de respeitar essas pessoas é que seja reparado o erro cometido. Justiça não é vingança, é reparação. Ninguém me vê tripudiando nem do Lula, nem do Aécio, nem do Cunha, nem do Delcídio, de ninguém. Quando alguém é interditado pela Justiça, ele está entregue ao Estado, não é civilizado ficar fazendo política em cima de quem já está pagando e cumprindo a sua pena.
BBC News Brasil – O PT diz que o Lula foi perseguido. A senhora não acredita nisso?
Marina – Eu às vezes me pergunto se tudo o que a Lava Jato trouxe em relação ao Partido dos Trabalhadores, se fosse em relação a outro partido, qual seria o posicionamento? Foi inclusive muito estranho quando o Supremo decidiu afastar Aécio Neves e o Partido dos Trabalhadores fez uma carta contra o afastamento do Aécio Neves.
Seria por uma convicção no mérito de que houve uma injustiça contra Aécio Neves ou seria por uma semelhança de situação ou de cumplicidade? É uma pergunta que precisa ser feita.
BBC News Brasil – Seus adversários fizeram uma série de propagandas em 2014 que diziam que a senhora “tiraria comida da mesa do brasileiro” ou que não teria mais décimo terceiro salário. E a senhora não respondeu, o que pode ter lhe custado a vaga no segundo turno. Por que a senhora não respondeu a essas propagandas? Se arrepende?
Marina – Eu respondi da forma que achei mais correta. O que as pessoas queriam? Que eu respondesse caluniando a Dilma? Eu só poderia responder dizendo que não era verdade.
BBC News Brasil – A senhora não mudaria nada em relação ao que fez em 2014, então?
Marina – É que eu acho que as pessoas esquecem que a Dilma tinha 12 minutos de televisão e eu tinha 2 minutos e 20 segundos. As pessoas esquecem que a Dilma tinha dinheiro, tanto declarado quanto dinheiro roubado. A eleição foi uma fraude.
Se eu soubesse que o equivalente ao que foi declarado tinha também de dinheiro de caixa dois, eu teria denunciado. Mas não era uma disputa em base equânime, eu disputava legitimamente e outros, fraudulentamente.
É engraçado que as pessoas colocam naquele que foi vitimado a culpa por ter sido a vítima. A culpa de quem é alvejado em uma calçada é de estar caminhando na calçada? Ou é de quem atirou? Eu decidi que, se ganhar, vou ganhar ganhando.
A Dilma teve uma aparente vitória e depois foi derrotada por ela mesma, foi derrotada pela corrupção que ela praticou na sua campanha, com dinheiro de caixa dois, foi derrotada pelas mentiras que fez, foi derrotada por não ter tido a capacidade de colocar o país acima do seu projeto de poder.
BBC News Brasil – A senhora mencionou as dificuldades da sua campanha em 2014, e naquele momento a senhora contava com alguma estrutura partidária, com o PSB, bastante maior do que a Rede…
Marina – Com certeza é mais difícil, naquela época eram dois minutos e 20 segundos de TV, agora serão apenas 8 segundos uma vez por dia. Isso foi uma decisão política dos partidos, para que a sociedade não ousasse mudar de verdade.
BBC News Brasil – Nas últimas duas campanhas, a senhora optou por dizer que recorreria a plebiscito em temas como descriminalização do aborto ou das drogas, e defendeu plebiscito. André Lara Resende, que a assessora, afirmou que em seu governo não vai se apelar para plebiscitos e referendos, “que democracia plebiscitária é muito perigosa”. A senhora mudou de posição, então? Vai se posicionar mais claramente sobre o que pensa em relação a esses temas?
Marina – Meus posicionamentos em relação a esses pontos são claríssimos. Eu sou contra o aborto. E, até agora, tenho manifestado com clareza que sou contra a liberação das drogas. E o que temos que fazer é o debate.
Não sei em que contexto o André falou isso, mas eu defendo o plebiscito, continuo defendendo. Tanto para a questão das drogas quanto para a questão do aborto. Nos vários países, esses assuntos são tratados assim. Até porque quando se trata de assuntos tão polêmicos e que envolvem questões tão amplas de natureza ética, de natureza moral, de natureza filosófica e de saúde, é preciso que se saiba que 513 deputados não podem substituir a sociedade, e eu continuo defendendo que se faça o debate em forma de plebiscito.
Isso está previsto na nossa Constituição. Concordo que plebiscito não pode ser banalizado, mas está previsto para assuntos que devem passar por um processo amplo de discussão. Não é rotulação: os que são contra não podem ficar rotulando os que são a favor e os que são a favor não podem ficar dizendo que são dogmáticos, conservadores, atrasados, os que têm posicionamento contra.
BBC News Brasil – A despeito da sua posição pessoal, a senhora sancionaria um projeto de lei de aborto que fosse aprovado pelo Congresso?
Marina – O aborto já é previsto na legislação brasileira.
BBC News Brasil – Sim, mas para casos restritos. A Argentina acaba de aprovar na Câmara um projeto que legaliza o aborto até a décima quarta semana…
Marina – (interrompendo) Por isso que eu defendo o plebiscito. O plebiscito é a vontade soberana da sociedade.
BBC News Brasil – Com aprovação apenas do Congresso, não?
Marina – Eu defendo o plebiscito porque eu acho que 200 milhões de brasileiros são mais representativos para algumas situações do que apenas 513 deputados. Essa é minha posição, defendo o plebiscito.
BBC News Brasil – Por outro lado, temos uma bancada evangélica cada vez maior que tem trazido pautas de cunho religioso para o Estado brasileiro. Há projetos de lei que tornariam o ensino religioso obrigatório ou projetos como Escola Sem Partido. Qual é a sua opinião?
Marina – O ensino religioso já é previsto nas escolas, como uma disciplina opcional. As escolas confessionais dão o ensino religioso, eu mesma estudei em uma escola católica em que o ensino de religião era dado pelas freiras, mas como matéria opcional. Obviamente que sem prejuízo das disciplinas que ensinam cientificamente como foi feita a criação do mundo e assim por diante.
Isso já está resolvido. É possível o ensino religioso, só que de uma forma ampla, não é fazendo proselitismo para uma religião, é abordando a questão de uma forma interreligiosa.
BBC News Brasil – A senhora, na condição de evangélica, teria alguma dificuldade em eventualmente barrar pautas da bancada evangélica?
Marina – Você impor a um Estado laico o ensino da religião, isso não tem base constitucional. Eu acho interessante que as pessoas fazem essa pergunta pra mim, dessa forma, e eu sinto um pouco de preconceito.
Eu fui católica durante muitos anos e sempre tive as mesmas posições em relação a essas questões que eu hoje tenho e ninguém nunca me perguntou. Agora, como sou cristã evangélica, as pessoas fazem essas perguntas, fazendo generalizações, como se todos os evangélicos tivessem que ter a mesma postura. O Estado laico foi uma contribuição da Reforma Protestante, foram os cristão evangélicos reformistas que lutaram para que se tivessem escolas que não fossem apenas confessionais, para que se tivesse uma separação do Estado e da religião.
Quem defende a transformação do Estado em um Estado teocrático é porque não entende a grande contribuição que foi dada pelos cristãos evangélicos para fazer essa separação. Agora, obviamente temos que reivindicar o direito à liberdade religiosa, porque a liberdade de expressão não é só para expressar os sentimentos de quem é contra a religião, é para expressar o pensamento daqueles que são a favor. Isso é a democracia.
BBC News Brasil – A senhora manteria a reforma trabalhista do Temer?
Marina – Nas bases em que foi aprovada, não. Ela precisa ser revista. Tanto precisa que o próprio presidente Temer mandou uma medida provisória revendo vários aspectos que criticamos durante a tramitação.
Como a medida provisória não foi aprovada no Congresso, estamos com uma reforma trabalhista que prejudica apenas os trabalhadores, porque ouviu apenas um lado, e comete atrocidades como uma mulher grávida poder trabalhar em situação de risco, como uma pessoa ter apenas 30 minutos para fazer as suas refeições, e dificulta o acesso à Justiça porque as custas do processo e os honorários advocatícios serão pagos por quem perder a causa.
Ora, se você tem pessoas pobres em situação de fragilidade, hoje, elas pensam duas vezes antes de entrar na Justiça porque sabem que não têm como pagar as custas e os honorários advocatícios caso venham a perder a causa. Isso está dificultando o acesso à Justiça.
Se está resolvendo um problema, que era a indústria de processos, se está criando uma indústria de injustiçados. Quando se diz que o negociado se sobrepõe ao legislado, eu acho até que é uma forma errada, o que está na lei não pode ser ultrapassado, o que não é obrigatoriedade de lei, aí sim pode ser negociado entre empregado e empregador, mas não se pode dizer que há uma categoria de direitos em que a lei não vale, o que vale é o acerto no paralelo, ao arrepio da lei.
BBC News Brasil – Sobre a reforma da previdência, a senhora reconhece um rombo na previdência? Qual o seu caminho para solucioná-lo?
Marina – Há necessidade sim de uma reforma da previdência, temos uma gravíssimo problema de deficit, mas obviamente que a reforma não pode ser feita da forma como o presidente Temer a apresentou. Inclusive dificultando e prejudicando o debate sobre a previdência, porque ele só escutou um lado mais uma vez e, sem legitimidade e credibilidade, ele seria a última pessoa a ter condição de fazer um debate tão sensível para a sociedade brasileira.
Temos que enfrentar a reforma da previdência porque temos um deficit, vamos perder o bônus demográfico, e há uma mudança na expectativa de vida das pessoas no Brasil. Mas não se pode fazer uma reforma da previdência para dizer que trabalhadores rurais são iguais a trabalhadores urbanos, que para fazer jus à aposentadoria por tempo de serviço tem que se contribuir durante 25 anos em um país em que as pessoas não conseguem carteira assinada às vezes por um ou ano ou dois seguidos.
Não se pode fazer uma reforma da previdência para dizer que para aposentadoria integral precisa contribuir 49 anos. É preciso que se crie uma transição para aqueles que estão próximos de se aposentar e aqueles que estão entrando no futuro regime.
BBC News Brasil – A senhora cogitaria um aumento da idade mínima? Diminuição do teto do benefício? Capitalização?
Marina – Eu acho que nesse momento nenhum dos candidatos está apresentando um projeto integral de reforma da previdência. Em 2014, quem visitar as minhas diretrizes de governo vai verificar que nós falávamos de um regime de capitalização. Aliás, fico feliz de ter dito em 2010, quando os partidos nem falavam em reformas porque todo mundo quer ganhar voto sem dizer exatamente o que pensa.
Precisamos encarar os problemas dos privilégios, que não foram enfrentados pelo governo Temer, é preciso fazer a reforma com transparência e não imagino que seja preciso muito tempo para fazer esse debate. No começo do governo isso precisa ser feito, mas ouvindo trabalhadores, ouvindo empresários, ouvindo especialistas, ouvindo o próprio governo. É assim que vamos fazer a reforma da previdência.
BBC News Brasil – Seus assessores falam em “com certeza” privatizar a Eletrobras. O que mais a senhora privatizaria? Petrobras? Bancos públicos?
Marina – Não são meus assessores, são meus colaboradores. Assessores são pessoas pagas profissionalmente, não é o caso. São meus colaboradores e que tenho a felicidade de tê-los, porque o André Lara Resende é um dos criadores do plano Real e altamente respeitado e igualmente o Eduardo Giannetti, que colaborou comigo desde 2010.
Eu não tenho uma visão dogmática em relação a reformas, mas antecipo que não vamos privatizar nem a Petrobras, nem a Caixa Econômica, nem o Banco do Brasil. Privatizações podem ser feitas, mas qual é o plano de privatização? Como diz o próprio Giannetti, você vai privatizar um ativo como a Eletrobras apenas para tapar o rombo do governo. Não se vendem as joias da família para almoçar fora. Qual é o plano?
E outra coisa que precisa ser respondida é: qual é a política energética que vai ser implementada nos próximos 10, 15, 20, 30 anos? É de grandes barragens para destruir a Amazônia? Porque a expertise da Eletrobras é fazer barragem. É também a condução de energia. Mas, se for pra ser privatizada, aquele que for comprar esse ativo precisa saber qual é o espaço de investimento que ele tem, porque se o governo vende esse ativo por um preço com a expectativa de quem o está adquirindo de que vai fazer grandes barragens e nós não vamos fazer um processo de diversificação da matriz energética, utilizando apenas aqueles aproveitamentos hídricos que têm viabilidade econômica, social e ambiental e vamos investir pesado em energia solar, eólica e de biomassa, então se está vendendo um ativo talvez por um valor que não tem a capacidade de retorno. Esse debate é que precisa ser feito.
BBC News Brasil – Sobre ajuste fiscal e teto dos gastos, qual é seu posicionamento?
Marina – Em 2010, apresentamos uma proposta de limitar o gasto público à metade do crescimento do PIB. Se o PIB cresceu 4%, a metade pode ser utilizada pelo governo. O Temer só colocou a correção pela inflação, eu estou colocando crescimento real, não é só ajustar o que a inflação comeu.
O país cresceu e o governo conseguiu arrecadar e, então, a metade do que foi arrecadado pode sim ser usado. Completamente diferente (do teto dos gastos do Temer). Como dizem meus colaboradores economistas, não poderemos ter uma visão excessivamente fiscalista e o governo está congelando o país por 20 anos.
BBC News Brasil – A intervenção federal com as Forças Armadas no Rio foi correta?
Marina – Não se pode generalizar, mas desconheço qualquer um que defenda que o Rio de Janeiro deveria ficar entregue à sua própria sorte. Vai resolver? Com certeza, não, porque a resolução é estrutural, você tem uma situação eventual, uma contingência e imagino inclusive que os militares não se sentem bem cumprindo esse papel de substituir aquilo que a Constituição delega que seja feita pelos Estados, pela PM e pela Polícia Civil.
BBC/Brasil