Ao menos 37 coligações já foram contestadas. Partidos e coligações têm prazo para ajustar proporção entre homens e mulheres. Especialistas criticam legislação por conta de fraudes, como ‘candidatas laranja’.
A cada 10 candidatos das eleições 2018, apenas 3 são mulheres, apontam dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A proporção (30,7%) não evoluiu desde as últimas eleições presidenciais, em 2014 – em que 31,1% dos candidatos eram mulheres – e continua abaixo da média da população brasileira. No país, a cada 10 pessoas, 5 são do sexo feminino.
Desde 1997, a lei eleitoral brasileira exige que os partidos e as coligações respeitem a cota mínima de 30% de mulheres na lista de candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras municipais. Em 2018, o percentual precisa ser respeitado para as coligações de deputados estaduais, federais e distritais.
O problema é que, mesmo com a lei, coligações e partidos têm registrado chapas com menos mulheres que o exigido. Isso tem feito com que coligações inteiras sejam impugnadas (contestadas) ou notificadas a ajustar o mais breve possível a composição.
O G1 fez uma consulta a todos os tribunais regionais eleitorais (TREs) do país e constatou: ao menos 37 chapas já foram ou impugnadas ou notificadas em dez estados (AM, BA, CE, MA, MG, MS, RJ, RN, SP e TO). Em outros seis (AP, DF, ES, PE, SE e SC), ainda não há notificações, o que não significa que elas não serão feitas. Isso porque os pedidos de registro dos partidos e coligações ainda estão sob análise. Outros 11 estados não responderam.
Levantamento feito pelo G1 na base de dados do TSE mostra que ao menos 10% das coligações no país (das cerca de 700) estão descumprindo a cota. Esse dado, no entanto, não é preciso. Isso porque há divergências entre a base de candidatos e a base de coligações e há informações sendo atualizadas diariamente (o que pode acarretar em mudanças nos registros das chapas).
No Amazonas, até agora, 13 chapas foram notificadas ou intimadas. No Ceará, foram quatro – entre elas a do PSOL/PCB para o cargo de deputado federal.
Moésio Mota, integrante da direção estadual do PSOL no Ceará, diz que o ajuste será feito. “Faltou uma companheira. O PCB chegou a registrar o nome, mas ela teve um problema. Ela era sindicalista. A gente não tinha essa informação na hora e ela não sabia que tinha de estar afastada por um período bem anterior. E aí com isso ficou faltando uma pessoa para completar o número de 30%. Nós achamos muito ruim. Queríamos na verdade ter mais mulheres, não só os 30% da cota. A gente já tem uma nova candidata que iremos registrar na lista de candidaturas remanescentes.”
“Eu fico super constrangido em a gente atingir somente a cota, até porque nós defendemos no PSOL que haja 50% de mulheres. Mas na prática a gente não tem conseguido. A vida da mulher é muito mais difícil. Se você pega uma companheira que é professora, que tem uma dupla jornada, ou tripla jornada, tem filhos. É uma dificuldade muito grande ela assumir responsabilidade. Nós não queremos candidaturas laranja, só para botar o nome. No interior do estado parece que amplia essa dificuldade. A maioria das candidaturas que aparecem é de homem.”
Ajustes e consequências
A legislação prevê um prazo até 7 de setembro para o preenchimento das vagas remanescentes até o limite máximo de candidatos para deputado estadual e federal pelo partido ou pela coligação. Por isso, até esta data, é possível que outros pedidos de registro sejam apresentados e as proporções de gênero mudem.
Ao mesmo tempo, o Ministério Público Estadual e os TREs fazem análises dos pedidos de registro e acionam os partidos e as coligações que estão abaixo da cota de mulheres.
“O registro acabou de ser formalizado. Tem um prazo para fazer adequações”, diz Polianna Santos, professora da PUC Minas e diretora-presidente da Associação Visibilidade Feminina. “Dificilmente a coligação chega até o final das eleições com menos de 30% de mulheres. A justiça pode indeferir o registro [caso o percentual não seja cumprido].”
O prazo para o registro das candidaturas terminou na quarta-feira da semana passada, dia 15 de agosto. Após a notificação da Justiça de não cumprimento do percentual, os partidos têm um novo prazo para adequar os registros. Caso isso não aconteça, a candidatura entra em risco.
“O pedido do registro de todos os candidatos cai se não tiver complementação de mínimo de 30% de candidatura feminina. Ou seja, [o partido ou a coligação] não pode apresentar nem candidato homem”, afirma Karina Kufa, especialista em direito eleitoral e professora da Faculdade de Direito do Instituto de Direito Público de São Paulo.
A Justiça Eleitoral tem até 17 de setembro para analisar e julgar eventuais recursos dos registros.
Mesmo após esta análise, ainda é possível que partidos e coligações cheguem às eleições com menos de 30% das mulheres, aponta Santos. Isso acontece quando ocorrem mudanças e desistências entre os candidatos após a análise e a aprovação do registro, o que pode acabar alterando a proporção entre os gêneros.
As duas especialistas destacam, porém, que a legislação já devia estar consolidada entre os partidos e as coligações, mesmo neste estágio inicial dos registros.
“Apresentar o mínimo [da cota das mulheres] com certeza já devia ter sido atendido pelos partidos, pois é uma regra que vem sendo aplicada. Mais precisamente, em 2012 foi a primeira vez que veio a obrigatoriedade por conta de jurisprudência. Já teve tempo suficiente para as legendas saberem que devem aplicar o mínimo”, afirma Karina Kufa, professora do IDP-SP.
Fraudes e candidaturas laranja
Além da necessidade de análise da Justiça para o cumprimento da cota, a legislação também é criticada por especialistas por conta de possíveis fraudes e incentivos a “candidaturas laranja”. Ou seja, mulheres que são registradas como candidatas apenas para que as coligações consigam atingir o percentual.
“É difícil de constatar [a candidatura laranja]. Tem mulheres que são iludidas pelos partidos, que o partido fala que vai dar suporte e não dá. Tem também mulheres que concordam em ser candidatas para ajudar parentes e amigos. Aí ela fica em casa sem fazer nada, mas se envolve na situação”, diz Kufa.
“Como a gente tem identificado candidatas laranja? Quando a candidata não tem movimentação financeira na campanha e zero votos, fica mais evidente que tem uma fraude”, diz Kufa.
Por conta disso, a investigação e a constatação da fraude costumam acontecer apenas após os resultados das eleições, e não antes do primeiro turno. Nas eleições de 2016, por exemplo, as mulheres representaram 86% dos 18,5 mil candidatos que não receberam nenhum voto. Não quer dizer que todas eram laranja, mas já é um indicativo, segundo Kufa.
Caso fique constatado que o partido de fato fraudou a lista, a repercussão pode recair em toda a chapa. “Tudo que está sendo feito hoje é entendimento [de cada tribunal]. Tem juiz que cassa a chapa inteira, tem juiz que cassa os primeiros ou os últimos da lista. Estamos em um limbo”, afirma Santos.
Nas eleições de 2018, novos entendimentos e novos mecanismos de fraudar o percentual podem ser encontrados. “Eu acho [a legislação da cota] fraudável, pois cada vez que traz um impedimento, os autores buscam formas de fraudar”, diz Kufa. Por conta disso, ela acredita que, neste ano, não vai existir mais tantas candidatas com nenhum voto. “Vai ter pelo menos o voto próprio da candidata, o que já dificulta”, afirma.
“Precisaria mudar a legislação, criar uma proposta para ter mais mulheres na política sem necessariamente ser uma cota”, diz Kufa.
Mulheres na política
Para Polianna Santos, fatores socioculturais ajudam a explicar o baixo percentual de mulheres em cargos eletivos, como o pensamento vigente de que política é um assunto masculino. “Tem uma ideia de que mulher não vota em mulher, ou que a mulher que renunciou é necessariamente laranja. Mas tem falta de apoio do partido”, afirma.
Na prática, é possível observar que, embora as mulheres representem atualmente 52% dos eleitores brasileiros, a representação feminina no Congresso Nacional está bem abaixo disso: 11,3% dos parlamentares.
Com isso, o Brasil ocupa a 152ª posição em um ranking de 190 paísessobre o percentual de cadeiras ocupadas por homens e mulheres na Câmara dos Deputados.
“Parece que os partidos não estão tão preocupados em favorecer lideranças femininas. Como fazer isso? Chamando mulheres para ocupar cargos no partido, cargos de secretariado em governos, ministérios. Cargos de chefia para que ela posso desenvolver sua capacidade política, que é o que é feito com os homens”, diz Santos.
Ela também destaca que muitas mulheres sofrem assédio em suas trajetórias políticas. Além disso, por uma questão sociocultural, está mais ligada às mulheres a responsabilidade doméstica e familiar.
“Falta reconhecer as dificuldades. Não é algo simples, mas a gente trata como se fosse”, diz a professora.
Fundo de campanha
Além da cota de números de candidatos, nas eleições de 2018 as mulheres também terão uma cota financeira. Em maio deste ano, o TSE decidiu que os partidos devem repassar 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para as candidaturas femininas.
A criação deste fundo, abastecido com dinheiro público, foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Michel Temer. De acordo com o Orçamento da União previsto para este ano, o fundo terá R$ 1,7 bilhão para financiar as campanhas.
O TSE entendeu que, no caso de partidos com mais de 30% de candidatas mulheres, o repasse dos valores deve ser proporcional. A Corte também considerou que o patamar de 30% vale para o tempo de TV e para a propaganda eleitoral no rádio e na televisão.
POR G1