Era como se estivesse me afogando, diz paciente curado de Covid-19

Sete dias internado para tratar da Covid-19 mudaram o olhar de Donaldson da Costa Gabriel, 52 anos, sobre a vida. Consciente durante todo período de internação, Naldo, como é mais conhecido, chegou a acreditar que iria morrer nos primeiros três dias. Esses dias iniciais, contou, foram os piores, e ele precisou respirador mecânico para continuar vivo. Sozinho em uma das salas de isolamento do Hospital Giselda Trigueiro, em Natal, ele  relembrou cada escolha feita ao longo da vida e saiu curado, no dia 5 de abril, com um novo olhar sobre o viver.

Pai de dois filhos, um jovem de 21 anos e uma menina de 4 anos, Naldo chegou ao hospital na manhã do dia 29 de março, um domingo, e se viu pensando nos dois durante todo o dia, um dos mais críticos. Ele é hipertenso e, ao realizar exames antes da internação, soube que estava com diabetes. Logo, estava dentro do grupo de risco da doença causada pelo novo coronavírus.
No segundo dia de internação, ouviu, de relance, a conversa de dois médicos no corredor dos leitos sobre a morte de um outro paciente. Naldo estava em estado grave, com ajuda de aparelhos para respirar, e teve consciência de que isso também poderia acontecer com ele. “Passa um filme na sua cabeça, dos seus filhos, a família, os amigos. Não tem como você não sair diferente porque é uma experiência única. Você sai enxergando as coisas diferentes. Coisas que eu dava muita importância eu vi que, na verdade, não importam nem um pouco”, afirmou.
Servidor da Câmara Municipal de Natal há 34 anos, Naldo resguardou nos últimos anos a expectativa da aposentadoria, cada vez mais próxima. No momento em que estava internado, entretanto, viu que a espera o levou a adiar planos, que poderiam vir abaixo caso não tivesse resistido à doença. “Eu poderia virar só mais um na estatística, ninguém ia lembrar de mim, a não ser familiares e amigos. Eu, perto de me aposentar… Tudo poderia ir por água abaixo, nada fazia mais sentido. Às vezes, no mundo, você se prende a coisas que não vale a pena. Eu era muito apegado ao meu carro, um bem material. Eu sou um cara que sempre fui muito zeloso com o meu carro, sempre tive muito cuidado. Mas aí você vê que ele não tem valor nenhum”, contou.
A ala em que esteve internado no Hospital Giselda Trigueiro era só mais uma do complexo de referência para doenças infectocontagiosas no Estado. As paredes verdes claras, uniformes, e mais nada. Havia apenas duas semanas do primeiro caso confirmado do novo coronavírus no Rio Grande do Norte. A sala, montada num setor isolado às pressas, sequer possuía ar-condicionado e campainha para chamar enfermeiros em casos de necessidade. A sensação de isolamento aumentava a cada segundo.
Naldo estava com o celular enquanto permaneceu internado, mas sem força para utilizá-lo. Os pensamentos serviam como companhia para o potiguar durante a maior parte do tempo. Ele sentia dificuldades de respirar – “quando eu ia ao banheiro, que tirava o oxigênio, sentia como se estivesse me afogando” -, não conseguia comer nada porque havia perdido o paladar e sofria de uma tosse intensa. Mas o isolamento, para ele, foi a pior característica da Covid-19.
A melhora veio a partir do quarto dia de internação, uma quinta-feira. A data marcou uma semana do início da tosse constante, o primeiro sintoma da doença sentida por ele. Uma enfermeira pediu para ele retirar o oxigênio e tentar respirar sem a ajuda do equipamento. “Tive muito medo porque nos primeiros dias eu não conseguia respirar nada”, contou. Aos poucos, viu que tinha fôlego.
Naldo foi liberado no dia 5 de abril ainda debilitado. No Hospital Giselda Trigueiro, teve contato com deficiências do serviço público, como a presença de mosquitos na sala em que esteve internado, em um dia de chuva, e chegou a ver um escorpião em um dos dias.
“Isso tudo perturba”, relembrou. Pela porta que dava ao corredor, via a chegada de outros pacientes em estados piores que o dele quando ingressou na unidade hospitalar.
Antes de sair dali compreendeu que não havia espaço para todos, mas que ele era um vitorioso. De não conseguir respirar nos primeiros três dias, já conseguia andar e conversar uma semana depois de ser internado.
Dois dias depois da saída do hospital, gravou um vídeo de agradecimento às orações feitas por amigos e familiares e postou na conta pessoal do Facebook. Ainda debilitado, ele relembrou os dias no hospital. “Muito obrigado a todas orações, a todos. Teve momentos naquele hospital, que eu vou ser sincero, pedi para morrer porque não estava aguentando aquela situação, mas graças a Deus eu estou bem, em casa”, disse no vídeo, cujo som é abafado pelo uso da máscara. Na legenda, escreveu: “Só tenho que agradecer a Deus por mais essa oportunidade de vida que ele me deu.”
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