BRASÍLIA – É uma difícil troca de gênero econômico. O deputado e pré-candidato ao Palácio do Planalto Jair Bolsonaro (PSL-RJ) tenta afastar-se da imagem de um polêmico sindicalista militar que defende políticas estatizantes e aderir a ideias ultraliberais do economista Paulo Guedes.
Nas últimas semanas, o presidenciável tem recorrido a um kit de bordões privatizantes e de enxugamento do Estado, sem concordar, no entanto, com a venda da Petrobrás, dos bancos federais e uma reforma imediata da Previdência. Propõe a redução de gastos e impostos, mas avisa que não aceita que o “bebê”, como chama as Forças Armadas, sofra contingenciamento.
O ex-capitão do Exército chegou ao topo das pesquisas com um discurso radical em temas como segurança pública e sexualidade. Na economia, ele adianta que busca ajuda de especialistas com “humildade”, numa estratégia de escapar de críticas. Não disfarça, porém, que é contra o extremismo econômico de seu conselheiro.
“Ele (Guedes) tem, às vezes, um excelente plano e bota na mesa. Mas eu digo: ‘Doutor Paulo, nota dez. Mas isso passa na Câmara e no Senado? Se não cortar aqui, pode ser um excelente plano, mas não vai para a frente”, diz o parlamentar. “Na questão política, ele me ouve. Assim como eu ouço ele na economia. Essa conjunção está dando certo. Estamos namorando.”
Antes de Bolsonaro, Guedes elaborou o plano de governo de Guilherme Afif Domingos, candidato à Presidência em 1989 pelo Partido Liberal. No posto de principal assessor econômico do pré-candidato, ele atraiu holofotes na defesa de propostas que batem de frente com os discursos e a trajetória de quase três décadas de Bolsonaro na Câmara. As divergências ficam explícitas num dos debates mais acalorados do cenário econômico atual. O pré-candidato não compartilha com o economista a ideia de redução de subsídios. A proposta é um fantasma, por exemplo, para setores como o agronegócio, que em 2017 obteve renúncia fiscal que chegou a R$ 23,8 bilhões.
Em busca de apoio dos ruralistas, o pré-candidato ressalta que é contra a privatização do Banco do Brasil, órgão de fomento do setor. “Se privatizar, como fica o financiamento do setor produtivo rural? Alguns falam, não é só ele (Guedes): ‘Vamos privatizar essas estatais que vão dar dezenas de bilhões’. Mas quem me garante que a dívida interna vai voltar ao patamar que estava?”, questiona. “Se der um problema, ninguém vai culpar a equipe econômica, vai dar porrada no comandante”, ressalta. “É preciso avaliar o paciente. Vai deixar o dedo e amputar o corpo?”
Como todo namoro, não há compromisso de casamento. Bolsonaro e Guedes têm mantido contatos quase semanais no Rio de Janeiro, telefonemas e mensagens diárias no WhatsApp. Procurado nas duas últimas semanas, o economista não retornou os contatos.
Influência. O pré-candidato do nanico PSL diz que pretende apresentar um “pacotão” de medidas para destravar a economia. A ideia é fazer uma varredura de projetos em tramitação há anos na Câmara e no Senado. Entre elas está a redução da estrutura do Ministério Público e da Justiça do Trabalho. “Não vou mostrar o pacotão agora para não levar pancada por aí”, afirma. “Ninguém vai ser penalizado”, afirma. “Geralmente, pacotão é aumento de imposto. O nosso é diferente.”
O conjunto de medidas econômicas que a equipe de Bolsonaro prepara tem diretrizes liberais, mas o nome remete ao “Pacotão” do general Ernesto Geisel, que, em abril de 1977, fez mudanças nas regras eleitorais e fechou o Congresso por duas semanas. Para convencer o mercado, Bolsonaro diz que o discurso de fechar o Legislativo ficou no passado, quando era um deputado iniciante, recém-saído do Exército.
Acostumado a disparar na presidente cassada Dilma Rousseff, o pré-candidato começou a ter lições sobre outra mulher da política. A ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher é um exemplo do modelo econômico de Guedes. “A Inglaterra acabou com as subjetividades e reduziu a carga tributária”, diz Bolsonaro. Ele, no entanto, evita falar dos efeitos colaterais das mudanças de Thatcher, que fez cortes drásticos na área social e aumentou o desemprego.
Economês. Análises e ideias do economista começam a aparecer nas falas e nos discursos de Jair Bolsonaro. “O pessoal da economia que está comigo disse que vai ter que reduzir a carga tributária”, afirma o pré-candidato. “A minha opinião de leigo é que você pode diminuir a sonegação e aumentar a arrecadação, porque nós ultrapassamos a Curva de Laffer há muito tempo. OK?”, diz, debochando de um termo de alta complexidade para os leigos. A teoria mede o limite de crescimento da arrecadação em relação ao da carga tributária.
Bolsonaro diz que a queda de tributos e uma fiscalização mais eficiente garantem as receitas para implantar ações sociais. Ele é econômico ao falar de política monetária, limitando-se a dizer que o Banco Central deve ser “independente politicamente”, como, aliás, propõe Guedes. “Não é fácil discutir esse assunto, cara. Não tem a fórmula mágica.”
E emenda com relatos que sugerem aproximações por parte dos setores financeiro e empresarial à sua campanha: “Temos independência para trabalhar. É comum em reuniões que faço alguém falar: ‘Vamos ajudar financeiramente a campanha’. Eu digo: ‘Não aceito’”, conta. “Tem cara que fatura mais de um bilhão por ano. Não quero dever nada para ninguém. Ou chego (ao poder) de forma independente ou não chego.”
Bolsa. O pré-candidato afirma que não pretende cortar programas sociais como o Bolsa Família. “É combater a fraude, não é acabar. O que puder inserir esse pessoal no mercado de trabalho, vamos inserir. No meu entender, ficará 40%, que você deve bancar, porque os caras estão condenados a morrer de fome.”