A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal absolveu, nesta terça-feira (18/9), o senador Renan Calheiros (MDB-AL) da acusação do crime de peculato pela Procuradoria Geral da República. Os ministros entenderam que não há provas suficientes nos autos de que o parlamentar desviou dinheiro do Senado, por meio de gastos da verba indenizatória, para justificar o pagamento da pensão de uma filha que teve fora do casamento.
O escândalo teve seu ápice em 2007, quando o senador acabou renunciando ao comando do Senado diante das suspeitas. No total, o senador pagou R$ 44,8 mil à Costa Dourada Veículos, de Maceió, entre janeiro e julho de 2005. Em agosto daquele ano, afirmou o MPF, a empresa emprestou R$ 178,1 mil ao senador.
Para o colegiado, o Ministério Público Federal não conseguiu comprovar que a conduta adotada pelo senador no caso foi ilícita, não ficando claro que não houve a contratação e prestação de serviços pela empresa. “O Ministério Público Federal não provou, sem o limite de dúvida necessário, o desvio da verba indenizatória”, afirmou o relator Edson Fachin.
Segundo o relator, a prova precária favorece o réu. “O conjunto probatório tem, sim, indícios, que não se transformaram em prova capaz de gerar o pretendido édito condenatório. Trata-se, como se pode ver, de indícios, de que a proximidade do denunciado com o aludido empresário viabilizaria a entabulação de contrato fictício. São mesmo indícios, mas que não detém maior suporte no conjunto probatório produzido na ação penal. E na ação penal esses indícios deveriam ter se transformado em prova, ônus do qual não se desincumbiu a contento o Ministério Público”, completou o ministro.
Fachin ressaltou que laudo da Polícia Federal não é conclusivo sobre o cometimento de crime, sendo que as notas fiscais apresentaram certa regularidade e apresentam coincidências sobre combustíveis e hospedagens dos carros alugados por Renan.
Segundo o ministro, não foram encontrados créditos ou débitos em contas correntes dos investigados.
Celso de Mello, revisor da ação penal, seguiu o voto de Edson Fachin. “O ônus da prova, a autoria, materialidade, demonstração da relação de causalidade entre conduta e resultado, é exclusivamente de quem acusa. A insuficiência da prova penal, existente nos autos, não pode legitimar um juízo de certeza que possa autorizar a condenação do réu.”
Gilmar Mendes defendeu que no caso não há falta de provas, uma vez que o contrato existe e que os veículos foram locados e colocados à disposição do parlamentar, sendo que não há irregularidade em pagamentos em dinheiro em espécie. O ministro contou que ele mesmo faz pagamentos a seus empregados em dinheiro vivo.
Gilmar defendeu que fosse aplicado no caso o artigo 386 do artigo penal que prevê a absolvição por não constituir o fato infração penal, o que foi rejeitado pela maioria do colegiado.
“Esta provado que não houve crime. É um caso vexatório. Não é que o MP não logrou provar. Não vamos dar o benefício da dúvida ao MPF. A parte logrou provar aquilo que a relação era regular, tinha relação com a empresa e que não resta nenhuma irregularidade disso. Segundo os critérios do Senado poderia contratar qualquer empresa”.
Gilmar criticou a tramitação da investigação, sendo que foram seis anos para oferecimento de denúncia pela PGR. O ministro citou que o recebimento da denúncia levou o ministro Marco Aurélio a determinar o afastamento de Renan da presidência sob argumento de que réu não pode ocupar a linha sucessória da Presidência da República, o que foi revertido pelo plenário.
“O voluntarismo é mau conselheiro. Imagina se o stf tivesse afastado o presidente do senado. Foi um pequeno equivoco nosso. Um pequeno descuido, que a gente estava desprevenido. Redobrada cautela com as denúncias”.
O ministro defendeu responsabilização. “Ninguém quer estado incapaz, mas exige cautela redobrada. Faz sentido pensar em investigações com recato, reservadas”.
Ricardo Lewandowski afirmou que os prejuízos no caso não são exclusivos do parlamentar. “Não é só o senador que sofreu prejuízos. É a própria imagem do Senado. Durante boa parte da denúncia e da ação penal era presidente do Senado, do Congresso, e a imagem do país como ficou? Os prejuízos são muito maiores”.
“O procurador leva hoje para casa uma mensagem: devagar com o andor, mais cuidado”, emendou Gilmar.
O caso
A denúncia contra Renan foi oferecida pela Procuradoria Geral da República em janeiro de 2013 e só foi julgada em dezembro de 2016. Os ministros receberam denúncia quanto ao crime de peculato e declararam extinta a pena por prescrição dos crimes de falsidade ideológica.
Na ocasião, a maioria do Supremo entendeu que há indícios de que o senador fraudou o recebimento de empréstimo de uma locadora de veículos para justificar o pagamento da pensão de uma filha que teve fora do casamento. O parlamentar usou verba indenizatória do Senado para pagar essa mesma locadora, sendo que a empresa não prestou qualquer serviço ao senador.
Os gastos com a locadora teriam feito parte de uma trama, diz a PGR, para tentar comprovar que o senador teria condições de arcar com despesas de auxílio de uma filha fora do casamento com a jornalista Mônica Veloso e rebater a tese de que a empreiteira teria pago os gastos.
Renan Calheiros foi acusado pelos crimes de peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso. A investigação do caso começou em 2007, mas a denúncia só foi oferecida em 2013 ao Supremo. O inquérito 2593 tramitava em segredo de justiça na Corte.
A Procuradoria-Geral da União apresentou no inquérito que o peemedebista teria recebido propina pela construtora Mendes Júnior para apresentar emendas que beneficiariam a empreiteira. Em troca, o peemedebista teria as despesas de uma filha com a jornalista Mônica Veloso bancadas pela empresa. O peemedebista chegou a renunciar à presidência do Senado quando o escândalo veio à tona.
Na época, Renan chegou a apresentar ao Conselho de Ética do Senado recibos de venda de gados em Alagoas para comprovar um ganho de R$ 1,9 milhão. Para os investigadores, tais documentos são notas frias.
Defesa
Segundo o advogado de Renan, Luís Henrique Machado criticou o MPF. “É um processo muito doloroso do ponto de vista pessoal. O senador Renan Calheiros teve a vida devassada em razão dessa questão, de uma filha que teria recebido pensão alimentícia paga por terceiro. Este processo ficou dormitando no Ministério Público em 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013. E justamente na semana em que ele concorria à presidência do Senado Federal, o doutor Roberto Gurgel [ ex-procurador-geral da República] atravessou uma denúncia, que ganhou o viés de interferir na disputa política daquela casa”.
Em nota, o advogado afirmou que “depois de 11 anos respondendo ao processo, o Senador Renan demonstrou de forma inequívoca a sua inocência. A defesa reuniu extenso material probatório, como Notas fiscais, livro de caixa, testemunhas, entre outros, comprovando que o serviço de locação de veículos além de pago, foi efetivamente utilizado pelo Senador. Não por outra razão, a decisão foi unânime pelo Supremo Tribunal Federal”.