Sem perspectivas, população de rua encontra abrigo sob viaduto do Baldo

Embaixo do viaduto do Baldo vive gente. Pintores, pedreiros, camareiras. Gente que nunca trabalhou e gente que trabalhou a vida inteira – até não haver mais trabalho. Gente que trabalha, na informalidade, mas que não ganha o suficiente para pagar um aluguel ou comprar uma casa. Alguns vivem há décadas, outros há poucos meses. De 2014 para 2016, a quantidade de moradores de rua na capital potiguar aumentou 240%, saltando de 317 para 1.082, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (Semtas) fornecidos à TRIBUNA DO NORTE à época. Atualmente, a Secretaria afirma não possuir a estimativa, apenas o número de atendimentos feitos pelas instituições voltadas a oferecer assistência à população nessa situação. No Brasil, de acordo com um estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), são 100 mil vivendo nas ruas, a maior parte deles concentrados nos centros urbanos e metrópoles.

O empobrecimento pelo qual o país vem passando, e que se acentuou a partir de 2016, vem sendo registrado pelos institutos de pesquisa. De 2016 para 2017, a população em condição de extrema pobreza saltou de 13,5 milhões para 15,3 milhões, um aumento de 13%, afirma o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O desemprego também cresce: e, em março, atingiu o maior número desde agosto de 2018, com 13,1 milhões de pessoas desempregadas.

O aumento do desemprego e da informalidade vem impactando não apenas no número, mas também no perfil da população em situação de rua na capital potiguar. Embaixo do viaduto do Baldo, há um verdadeiro contingente de pessoas capacitadas que, sem emprego ou possibilidade de solicitar ajuda a familiares, passaram a viver na rua.

“Nunca achei que fosse acontecer, porque eu estudei. Terminei o ensino médio. Entrei na faculdade. Mas é isso, agora vivo aqui há quatro meses.”, conta Amarildo Queiroz, de 53 anos. Há quatro meses, Amarildo vive no Baldo, um dos locais que concentra a maior quantidade de pessoas em situação de rua em Natal. Ele chegou a cursar um ano da faculdade de fisioterapia, em uma instituição particular. Não teve recursos para continuar pagando o curso, nem o aluguel. “Estou estudando para o concurso da prefeitura de Parnamirim, de educador popular”, relata.

Questionado sobre como fazia para estudar sem qualquer estrutura, ele conta que “faz o que pode”. “A única coisa boa do desemprego é que agora tenho tempo para estudar. Estudo aí no Centro POP, no computador. Eu to aqui, mas tenho data pra sair. Tenho que passar pra poder sair”, afirma.

O Centro POP, onde Amarildo estuda, se trata do Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua, localizado em frente ao viaduto, no Barro Vermelho. Ele foi inaugurado em janeiro de 2016 pela prefeitura Municipal, com capacidade para atender 40 pessoas diariamente, oferecendo serviços como orientação jurídica e assistência social, além de oferecer refeições para a população. Em 2018, foram 4,3 mil atendimentos, afirma a Semtas.

Nem todos, no entanto, possuem a perspectiva do estudo, e há um grande número de pessoas analfabetas que vieram do interior para a capital. “Sei assinar meu nome. Só”, conta José Lima dos Santos, de 34 anos. Natural do município de Serra do Mel, José veio para Natal por problemas familiares. Como muitos dos que vivem embaixo do viaduto, é usuário de drogas, e fala abertamente sobre.

“Olhe, aqui tem todo tipo de gente. Tem usuário? Tem. Tem trabalhador? Tem. Tem todo tipo de gente. A verdade é que ninguém mora na rua porque quer. Muitas dessas pessoas procuraram emprego, mas quando alguém vê o endereço do albergue, já risca fora da lista”, afirma José, que integra o Movimento de População em Situação de Rua.

O albergue, ao qual ele se refere, é o Albergue Municipal, o único na capital destinado ao atendimento da população em situação de rua, inaugurado em 2013. Em 2018, foram acolhidas 1.184 pessoas, e 19 mil atendimentos multidisciplinares foram feitos, com psicólogos, assistentes sociais ou advogados. Para conseguir uma das 58 vagas, dezenas de pessoas fazem fila desde o fim da tarde em frente ao prédio.

“Tem muita gente que diz que a gente está aqui porque quer. As pessoas precisam entender que sim, tem gente que gosta da rua, gosta da liberdade que ela oferece. Mas que a maioria esmagadora não está aqui porque quer, e sim por falta de opção. Basta colocar numa balança. O que você ia preferir?”, completa.

Sem saber, Amarildo reproduziu o pensamento que, há 87 anos, o baiano Jorge Amado sintetizou no clássico “Capitães de Areia”, onde descreve o dia a dia de um grupo de crianças em situação de rua na cidade de Salvador. Deitado no trapiche onde viviam, o personagem “Sem Pernas”, ao lado de 50 outras crianças ficcionais, concluía aquilo que, na realidade, os adultos residentes do Baldo repetiam, com suas próprias palavras: “a alegria daquela liberdade era pouca para a desgraça daquela vida”.

Números
4,3 mil atendimentos de orientação jurídica e assistência social foram oferecidas em 2018 pela Prefeitura.
1.184 pessoas foram acolhidas no ano passado pelo Albergue Noturno Municipal.
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