São Gonçalo do Amarante: relatos de insegurança e medo

“A segurança aqui é zero abaixo de zero. É perigoso sair toda hora. Não saio com celular de casa, porque corro um risco”. Esse é o primeiro depoimento colhido pela reportagem na chegada a São Gonçalo do Amarante, cidade da Grande Natal, apontada nesta semana pelo Atlas da Violência como a terceira cidade mais violenta do Brasil entre municípios com mais de 100 mil habitantes. O documento, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) leva em consideração as taxas de violência do ano de 2017.

O são-gonçalence que prestou depoimento à TRIBUNA DO NORTE é um senhor de 68 anos, aposentado, que estava sentado ao lado de amigos quando foi abordado pela reportagem. Por receio, demora a revelar o nome e não autoriza identificação na matéria, além do fato de não querer fotografias suas. Isso porque ainda tenta superar o trauma de ter tido a casa arrombada no mês passado por uma dupla que teria chegado num carro. Ele não estava na residência quando o fato  aconteceu. Perdeu sua máquina de lavar, televisão, fogão, botijão, churrasqueira elétrica e até suas roupas.

Quem também revelou insegurança e medo de sair na cidade foram as domésticas Micilene Dantas, 40, e Aline Araújo, 30. Mães, elas estavam esperando a saída das filhas na escola e disseram que não gostam de andar em horários noturnos. “Espero minha filha todo dia até 11h. Não saio de casa à noite. Não vejo movimento na rua, o povo é tudo trancado”, disse Micilene. Aline vai mais além: “As mães vinham todas com as filhas para a praça, todo final de semana. Tenho filhinha, a gente agora fica é em casa”, conta.

De acordo com os dados do Atlas da Violência, foram 131,2 homicídios para cada 100 mil habitantes em São Gonçalo do Amarante no ano de 2017. A cidade só ficou atrás de Maracanaú, no Ceará, e Altamira, no Pará. Foram analisados 310 municípios brasileiros.

Dados do Observatório da Violência no Rio Grande do Norte (Obvio) mostram um  aumento de 65% na taxa de homicídios na cidade, quando comparados os primeiros seis meses de 2015 a 2019. Os CVLIs, como são chamados os crimes de violência letal e intencional, tabulados pelo Obvio, mostram que o primeiro semestre de 2019 já registrou 66 homicídios, número parecido com os registros dos anos anteriores. O quantitativo mais baixa foi em 2015, com 40.

Wanderson Pedro instalou câmeras no seu comércio para aumentar o monitoramento e a segurança
Wanderson Pedro instalou câmeras no seu comércio para aumentar o monitoramento e a segurança

Números do mesmo instituto também mostram as incidências de crimes como roubo a pessoa, arrombamentos, furtos qualificados e receptações. Nos seis primeiros meses deste ano, foram registradas 340 dessas ocorrências, enquanto que no mesmo período do ano passado foram 316.  O aumento é de 7,5%. A TN solicitou dados de 2017, mas não obteve retorno da Sesed até o fechamento desta reportagem.

A insegurança fez com que Wanderson Pedro, 31 anos, dono de um mercado há dez anos no centro da cidade, instalasse câmeras de segurança em todo o local, tanto para evitar furtos no estabelecimento, quanto para vigiar seu comércio.  Ele é enfático ao dizer que a “questão da segurança na cidade não está legal. É assalto direto”, e acrescenta que nunca passou pelo problema no seu estabelecimento. “O centro é tranquilo, o bandido vai evitar por conta da delegacia, mas a insegurança está demais. As polícias não têm condições de trabalho”, opina.

Situação parecida vive Cássia Freire, 39 anos, que abriu um mercadinho na área de casa há oito meses. Em virtude da onda de insegurança, comenta, pretende instalar grades no local, transformando seu comércio numa conveniência. “Não vou ficar à mercê dos bandidos”, diz.

PM atua com 30% do efetivo necessário
O aparato de segurança de São Gonçalo do Amarante conta com uma delegacia de Polícia Civil e uma companhia independente de Polícia Militar, ambas instaladas no centro da cidade. Há ainda uma Companhia de Policiamento Rodoviário Estadual. Assim como no restante do Estado, as polícias convivem com a falta de efetivo e de estrutura, o que dificulta diligências, operações e investigações.
No Estado, de acordo com a Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis, a Polícia Civil trabalha com menos de 30% do que deveria ter, e tem o quinto menor efetivo do País, com um déficit de 3.720 profissionais. São Gonçalo não difere dessa situação. Segundo fonte ouvida pela reportagem, o município tem um policial civil para cada 10 mil habitantes. “O efetivo é muito baixo. Temos dificuldades de cumprir os inquéritos, dar sequência [às investigações]. A Polícia Civil vive sobrecarregada, na verdade”, disse a fonte, acrescentando ainda que São Gonçalo do Amarante deveria ter no mínimo duas delegacias de Polícia Civil.
À frente da companhia da PM há um ano e meio, o capitão João Pereira também explica que as forças de segurança da cidade precisam cobrir uma área territorial extensa, que envolve os 11 bairros da cidade e as comunidades e povoados, que somam 25, ao todo, no entorno de São Gonçalo.
“Temos uma característica diferente de outros municípios metropolitanos: somos conurbados com Natal na altura da zona Norte. Temos vários polos urbanos, o centro, Golandin, Remogoleiro, Santo Antônio, Uruaçu. E a área rural é bem extensa”, diz ele.
O capitão destaca ainda outras dificuldades para a Polícia Militar exercer seu trabalho dentro da cidade. “Temos um total de 68 policiais militares, quando na real o previsto é 180. Temos um terço do previsto. E essa previsão é de dez anos atrás. É uma realidade diferente”, conta.
Em contato com a TRIBUNA DO NORTE, a Polícia Militar do RN, por meio de sua assessoria de comunicação, disse que o efetivo de São Gonçalo do Amarante sofre com a mesma dificuldade que o restante da corporação do Estado, de baixo contingente de policiais.
A PM aguarda a finalização do concurso público iniciado em setembro de 2018 para o reforço de 1.000 novos agentes para o quadro de praças. A última atualização do certame, conforme mostrou reportagem da TN, no início de julho, é de que os novos policiais só estarão disponíveis em setembro de 2020.  O déficit atual é de 6 mil PMs. O último concurso foi feito em 2005.
A Polícia Civil reconheceu o déficit de efetivo não só em São Gonçalo, como em todo o Estado. Assim como a PM, a corporação da Polícia Civil espera concursos para contratação de novos agentes. O último certame aconteceu há 10 anos.
Em nota, a PC disse que “a instituição registra que tem trabalhado na redução desses índices de crimes e, no ano 2018, foi verificada uma diminuição de quase 10%”. A polícia disse ainda estar planejando e  providenciando medidas e operações de combate ao crime de homicídio, tráfico e organizações criminosas, mas não detalharia por questões de sigilo e planejamento.
A Prefeitura de São Gonçalo informou, por meio de sua assessoria de comunicação, que dispõe de uma Guarda Municipal, que cuida dos patrimônios públicos. Aliado a isso, a cidade tem uma central de monitoramento, com câmeras nas principais vias do município, que auxiliam às polícias em situações delituosas.
Números

131,2 é a taxa de homicídios em São Gonçalo do Amarante em 2017;
66 homicídios foram registrados na cidade só em 2019, segundo o OBVIO;
340 é o número de roubos a pessoa, arrombamento, furto qualificado, receptações no 1º semestre de 2019;
316 é o número dos mesmos crimes no primeiro semestre de 2018;
Homicídios em SGA no 1º semestre
2015 – 40
2016 – 65
2017 – 61
2018 – 63
2019 – 66
 
Fonte: Atlas da Violência e Sesed
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