O professor Cláudio Custódio e a psicóloga Débora Sampaio são casados, pais de Benjamin, e pensam em aumentar a família. Se o próximo herdeiro virá de forma biológica ou por meio de adoção, assim como ocorreu com o pequeno de quatro anos, eles ainda não sabem. Porém, enquanto não chega mais um filho, eles vão direcionar amor e cuidados a uma criança que esteja situação de vulnerabilidade, separado da família sob medida protetiva de acolhimento institucional, em abrigo ou orfanato. Eles são candidatos no Projeto Padrinhos, que visa proporcionar apoio afetivo, educacional e material a crianças e adolescentes que estejam sem perspectivas de retornar às suas famílias e que têm baixas chances de adoção. É um projeto conjunto promovido pelos órgãos da Justiça que visa cumprir o que determina a Constituição Federal.
De acordo com o artigo 227 da CF, é dever de todos assegurar à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Apesar da determinação, a situação no Brasil está longe de ser a ideal, principalmente nos abrigos onde estão jovens separados das famílias por medidas protetivas ou por serem órfãos. Para mudar esse quadro, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi alterado em 2017, possibilitando à criança e ao adolescente vínculos fora das instituições de acolhimento, com o objetivo de se garantir convivência familiar e comunitária, e colaborando com seu desenvolvimento social, moral, físico, cognitivo, educacional e financeiro. Assim, surgiu o Projeto Padrinhos.
Pela primeira vez no Rio Grande do Norte, o projeto tem o objetivo de garantir o cumprimento da lei com o auxílio de pessoas que estejam dispostas a colaborar afetivamente, financeiramente ou profissionalmente com esses jovens. O projeto consiste na atuação de voluntários no atendimento a essas crianças, arcando com custos, levando para atividades familiares e de lazer, ou até mesmo ensinando uma profissão. Inicialmente, Natal e Parnamirim receberão a iniciativa, que conta com a participação também do Projeto Acalanto, ONG que vai operacionalizar o contato de padrinhos e apadrinhados.
Para essa contribuição e garantia dos direitos, o Ministério Público é parceiro na iniciativa. O órgão tem o dever de fiscalizar e combater situações em que os jovens são colocados em risco, seja por exploração, abusos familiares ou falta de capacidade dos pais em terem a guarda dessas crianças e adolescentes. É um trabalho constante, que vai desde a identificação do problema até a solução definitiva do caso – que nem sempre termina com o retorno dos jovens à família de origem.
Segundo a promotora da Infância e Juventude Mariana Rebello, mesmo após o acolhimento institucional de crianças e adolescentes, há o trabalho do Ministério Público no sentido de garantir que os jovens saiam de situações de risco, preferencialmente devolvendo-os às suas famílias. Para isso, é realizado um acompanhamento das condições de retorno ao convívio nesse grupo familiar.
“Há casos de jovens que já foram acolhidos mais de uma vez. Por exemplo, um que foi acolhido por estar sendo levado para pedir dinheiro em semáforos. Buscamos a mãe, orientamos, mostramos que ela se enquadraria em programas sociais, falamos sobre a lei e, 15 dias depois, após a criança voltar para a família, ela estava de volta no sinal. Precisou ser recolhida novamente. Ela não está disponível para adoção, mas precisa e tem direito ao convívio familiar, o apoio. Por isso que o apadrinhamento vai ser importante para esse jovem e para outros tantos que estão em situação semelhante”, explicou a promotora.
No entendimento do juiz da Infância e Juventude, José Dantas de Paiva, o projeto vai colaborar para o cumprimento da lei e também com o futuro desses jovens acolhidos. “Se a criança ou o adolescente fica na instituição depois de várias ações para que encontre uma nova família a lei prevê outras políticas, como o apadrinhamento, que vem suprir a ausência desses direitos fundamentais, para que eles não sejam esquecidos lá dentro, trazendo alento e visibilidade a quem está em situação de acolhimento”, explicou o juiz.
Casal quer apadrinhar e treinar crianças no esporte
“Quero levar a molecada para treinar jiu-jitsu e ainda vou sentar para definir como poderemos fazer isso. A ideia é possamos ajudar uma ou mais de uma criança que esteja no acolhimento. São crianças que não têm referência familiar e a ideia é sermos uma referência para essas crianças”, explicou Cláudio Custódio, professor de Geografia e Jiu-Jitsu. Ele e sua mulher querem ter mais um filho, mas, enquanto isso, querem ser padrinhos e ajudar crianças que estão nos abrigos. Por isso, o professor foi um dos 116 interessados no programa. “É uma sacada de poder dar carinho, afetividade, dar uma doação. Como terei contato com as crianças para ensinar a lutar, termina também desenvolvendo um laço”, disse o professor. Ele se inscreveu para apadrinhar em duas das três opções possíveis.
No Projeto Padrinhos, estão previstos apadrinhamento afetivo, provedor e profissional. No afetivo, o padrinho/madrinha visita regularmente o afilhado, podendo buscá-lo para passar finais de semana, feriados ou férias escolares em sua companhia, colaborando para o desenvolvimento pessoal e afetivo. No profissional, o interessado se cadastra para atender às crianças conforme sua especialidade de trabalho ou habilidade, havendo a obrigatoriedade de passar por uma formação específica. Já no provedor, o padrinho, que também pode ser uma empresa, dá suporte material, financeiro ou por meio de serviços ao afilhado. Nessa modalidade, o padrinho ou madrinha não tem contato com seu afilhado ou afilhados, mas possui acesso aos resultados do que é provido.
“No caso do padrinho profissional ou provedor, eles podem atender qualquer jovem que está acolhido, estando ele livre para adoção ou não, como nos casos em que as famílias ainda estão em trabalho para o retorno da criança. Para padrinhos afetivos, eles requerem uma vinculação emocional e só podem ser apadrinhadas as crianças órfãs de pai e mãe, ou destituídas do Poder Familiar. Além disso, só podem ser jovens a partir de 8 anos de idade, porque não se confunde o projeto de apadrinhamentos com a vontade de adotar, para que não se crie uma frustração na criança”, explicou a promotora Mariana Rebello, que se inscreveu para ser madrinha provedora.
Apesar de estar em funcionamento há uma semana e não ter começado o apadrinhamento propriamente dito, 64 pessoas já efetivaram a inscrição para participar do projeto, com 42 interessados no apadrinhamento afetivo. O presidente da Acalanto acredita que o projeto será de grande importância para os jovens que estão nas casas de acolhimento. “O apadrinhamento vem numa perspectiva para melhorar a situação desses jovens. Surge essa possibilidade de ter um acompanhamento mais continuado. No caso do apadrinhamento afetivo, ele vem no sentido de trazer uma atenção individualizada. No caso de não surgir uma adoção, o padrinho pode contribuir para que a criança tenha ajuda para traçar os caminhos para a vida adulta. Será importante demais para esses jovens”, disse Pedro Bruno Fernandes. O Estado tem 287 jovens acolhidos, sendo os maiores números em Natal (54) e Parnamirim (33), segundo o CNJ.
Serviço
Para saber mais sobre o projeto entre em contato com o Projeto Acalanto (84 3219-3523 / 99117-7732, ou acesse: http://euexisto.tjrn.jus.br/pt/apadrinhamento.