Passamos um terço de nossas vidas dormindo ou tentando fazer isso. Porém, em um mundo que não para quando o sol se põe e onde a luz artificial reina, nosso sono está cada vez mais ameaçado.
Muitas pessoas não chegam a dormir de sete a nove horas por noite, como é recomendado. Além disso, lutam para acordar na manhã seguinte, especialmente nos dias de trabalho. Mas isso não afeta apenas a quantidade de horas de descanso.
Desde a descoberta de que a luz – particularmente a luz azul, emitida por dispositivos como smartphones – pode interferir no nosso relógio biológico, há evidências de que a exposição mesmo a baixos níveis de luminosidade durante a tarde ou a noite, também prejudica a qualidade do sono.
No entanto, o que aconteceria se apagássemos as luzes? Melhoraria nosso sono, traria outros benefícios? E quais os desafios de fazer isso vivendo em uma cidade moderna?
Decidi buscar as respostas no inverno. Com a ajuda dos pesquisadores do sono Derk-Jan Dijk e Nayantara Santhi, da Universidade de Surrey, na Inglaterra, desenvolvi um programa de vida para minimizar a luz artificial ao anoitecer e tentar maximizar a exposição à luz natural durante o dia. Isso sem deixar de lado meu trabalho e minha intensa rotina familiar na cidade de Bristol, também na Inglaterra.
O que eu descobri revolucionou minhas atitudes em relação à luz – e meu estilo de vida. Agora faço escolhas diárias simples, capazes de transformar não só a maneira como durmo, mas como eu me sinto – e, às vezes, até minhas habilidades cognitivas. Você conseguiria fazer o mesmo?
Por milênios, os seres humanos viveram em sincronia com o ciclo natural de luz e escuridão. O que não significa que todos iam dormir logo após o pôr do sol. Estudos sobre sociedades pré-industriais, como povoados da Tanzânia e da Bolívia, mostram que as pessoas ficam acordadas várias horas após o anoitecer, muitas vezes socializando à luz do fogo.
Na verdade, a quantidade de sono delas é bem parecida com a da população de regiões mais industrializadas. No entanto, os horários estão mais alinhados ao ciclo natural do dia e da noite. Elas tendem a ir dormir mais cedo e acordar um pouco antes do amanhecer.
“(Já) nas sociedades modernas, não dormimos em sincronia com o relógio do corpo”, diz Dijk.
A exposição à luz artificial durante a noite está atrasando nossos relógios biológicos. E como no dia seguinte precisamos trabalhar, botamos um despertador para acordar, mesmo quando o nosso corpo dá sinais que devemos continuar dormindo.
Sociedades pré-industriais, como os hadza, na Tanzânia, parecem ter menos problemas como insônia, por exemplo.
“Quando perguntamos a eles se achavam que dormiam bem, quase todos disseram: ‘Sim, muito bem’. Estatisticamente, isso não corresponde ao que acontece no Ocidente”, diz David Samson, antropólogo da Universidade de Toronto, que estuda os hadza.
Por que isso acontece? A luz nos permite enxergar, mas também afeta vários mecanismos do corpo. A luminosidade da manhã adianta nosso relógio interno, nos deixando mais dispostos; enquanto a noturna atrasa os ponteiros, fazendo com que a gente fique mais quieto, tipo as corujas.
A luz também suprime a produção de melatonina, hormônio que sinaliza para o resto do corpo – incluindo as partes que regulam o sono – que está na hora de dormir.
“Além de permitir enxergar, a luz tem um poderoso efeito não visual em nosso corpo e mente. É algo para lembrar quando ficamos em casa o dia inteiro e há luzes acesas até tarde da noite”, afirma Santhi, que comprovou, em estudos, que a iluminação noturna dentro de casa suprime a melatonina e atrasa os horários do nosso sono.
No entanto, a luz também aumenta o nosso estado de alerta. É como tomar um café expresso duplo. Embora o efeito estimulante seja uma má notícia, caso você esteja tentando dormir, ficar exposto a mais claridade durante o dia pode nos deixar mais despertos. E vale lembrar que, da mesma forma, a luz estimula as regiões do cérebro que regulam o humor.
“O importante é criar um padrão de exposição à luminosidade, com luz suficiente durante o dia e pouca à noite”, sugere Dijk.
Apesar dessa lógica, não foi fácil convencer minha família a me deixar seguir com o experimento. Quando sugeri ao meu marido que viver à luz de velas poderia ser romântico, ele revirou os olhos. Mas convencê-lo foi moleza em comparação à minha filha de seis anos e ao meu filho de quatro. A conversa foi assim:
Filha: Mas isso será assustador.
Eu: Não, acho que pode ser muito divertido. Nós usaremos velas.
Filha: *começa a chorar*
Eu: Por favor, não chore. Será como acampar.
Filho: Podemos comer marshmallows?
Vários pacotes de marshmallows depois, estávamos prontos. Concordei, no entanto, que meu marido poderia ocasionalmente usar iluminação elétrica, e as crianças poderiam assistir televisão, desde que eu não estivesse por perto.
Como eu precisava manter um horário de trabalho convencional, decidi também manter as luzes acesas até as 18h. E depois do pôr do sol, colocar meu laptop em “modo noturno”.
Minha programação ficou assim: durante a primeira semana, eu tentaria aumentar ao máximo minha exposição à luz do dia. Para isso, colocaria minha mesa de trabalho ao lado da janela, andaria pelo parque depois de deixar as crianças na escola, comeria fora e me exercitaria ao ar livre.
Na segunda semana do experimento, eu minimizaria minha exposição à luminosidade artificial depois das 18h, com o uso de velas ou uma luz vermelha fraca.
Na sequência, combinaria as duas programações.
As semanas do experimento não seriam seguidas – entre cada uma delas, eu levaria uma vida normal. Os intervalos funcionariam como uma linha de base comparativa.
Para monitorar minhas reações, eu usaria um actiwatch, um relógio que mede a exposição à luz, registra as atividades e padrões de sono. Também manteria um diário do sono e responderia a questionários sobre sonolência e humor. Além disso, realizaria testes cognitivos para avaliar minha memória de curto prazo, atenção e velocidade de reação.
Na última noite de cada semana, eu ficaria na escuridão, colhendo – de hora em hora – amostras de melatonina, que é liberada em resposta a um sinal do relógio biológico e, portanto, oferece um indicador do nosso horário interno.
“A melatonina é o nosso hormônio da escuridão; ela cria a noite biológica”, afirma Marijke Gordijn, cronobiologista da Universidade de Groningen, na Holanda, quem mediu meus níveis de melatonina.
A ideia era analisar se as mudanças alterariam o horário do meu relógio biológico. Estávamos curiosos para saber se os benefícios previstos por pesquisas de laboratório ocorreriam na vida real.
“Fizemos muitos experimentos em que usamos uma certa quantidade de luz e vimos que ela alterava o relógio”, diz Gordijn.
“Mas, se quisermos aplicar essas descobertas para ajudar as pessoas, precisamos saber se isso terá o mesmo efeito quando o ambiente for mais variável.”
Luz do dia
Em uma manhã ensolarada de dezembro, eu estava no parque, me exercitando discretamente nas barras, em vez de estar na aula de body pump na academia. “Mamãe, o que aquela moça está fazendo?”, perguntou um menino que acompanhava a cena.
Como era inverno, o parque estava praticamente deserto. Foi difícil encontrar motivação e superar o frio lá fora. Porém, nessas horas eu sempre me lembro de uma frase que um amigo sueco costumava dizer: mau tempo não existe, apenas roupas inapropriadas.
E logo percebi que não era tão ruim quanto parecia. Quanto mais eu encarava, mais eu considerava a ideia de permanecer ao ar livre como uma diversão, e não um sacrifício.
Em outra manhã, depois de deixar meus filhos na escola, sentei no parque para tomar um chá e peguei meu medidor de luz. A intensidade da iluminação é medida em lux. Em um dia de verão sem nuvens, por exemplo, a luz ao ar livre pode chegar a 100 mil lux; já em um dia nublado, a incidência pode ser de mil lux. Naquele dia, o medidor registrou 73 mil lux.
De volta ao escritório, fiz uma medição da luminosidade no centro da sala: 120 lux – mais baixo que os 500 lux esperados a céu aberto, imediatamente após o pôr do sol. Horrorizada, voltei para a mesa que estava temporariamente ao lado da janela. Lá estava mais frio, porém mais ensolarado – o leitor indicava 720 lux.
Apesar de todo esforço, minha exposição média à luminosidade, das 7h30 às 18h, ficou em apenas 397 lux durante a primeira semana. Na segunda, o índice foi ainda mais baixo: 180 lux.
Pode ser pelo fato de eu ter passado a maior parte do tempo dentro do escritório, trabalhando no computador; e também porque, nessa época, o sol se põe geralmente às 16h.
Durante a primeira semana, havia em média quatro horas e meia de luz de sol por dia. Na segunda semana, apenas 54 minutos. Mesmo assim, eu ainda estava melhor do que nas semanas intermediárias, quando não conduzia o experimento. Nelas, minha exposição média durante o dia era de apenas 128 lux.
E não foi só o clima que virou um obstáculo. Nas primeiras noites do experimento, por exemplo, dormi com as cortinas abertas para maximizar a exposição à claridade da manhã. No entanto, na hora de dormir, as luzes da rua dificultaram meu sono.
Não se trata de um problema exclusivamente meu. Em 2016, pesquisadores descobriram que pessoas que vivem em áreas urbanas com mais de 500 mil habitantes estão expostas a níveis de iluminação noturna de três a seis vezes mais fortes do que quem mora em cidades pequenas e zonas rurais.
Aqueles que vivem em lugares onde há mais intensidade de luz dormem menos, ficam mais cansados e alegam estar mais insatisfeitos com o sono. Também se deitam e acordam mais tarde do que as pessoas que moram em áreas mais escuras.
Depois de alguns dias, passei a fechar as cortinas e a usar um relógio que simulava o alvorecer. Foi uma solução imperfeita, uma vez que a luz desses dispositivos não é tão brilhante quanto a do dia. Mas foi melhor que nada.
Se aumentar a exposição diária ao sol já era difícil, mais complicado ainda foi parar de usar a iluminação noturna durante dezembro, o mês mais escuro do ano. Só me fez lembrar o quão útil é a luz artificial. Cozinhar à luz de velas era um desafio diário, cortar legumes era um risco iminente. Passei então a preparar as refeições no início do dia, o que reduziu meu tempo de trabalho.
Por fim, adotei uma solução alternativa. Instalei algumas lâmpadas inteligentes na cozinha. Podia ajustar a cor ou escurecê-las usando um aplicativo no smartphone. Mas isso, é claro, gerou um paradoxo: para remover a luz azul de alerta das lâmpadas, tive que me expor à luz azul do telefone. Então comecei a fazer isso ao longo do dia para evitar invalidar o experimento. E nossa cozinha passou a ter um brilho vermelho-alaranjado assustador durante a noite. Mas, pelo menos, podíamos voltar a cozinhar.
Durante minhas “semanas de escuridão”, fui exposta a uma iluminação média de 0,5 lux entre 18h e 0h. O índice máximo foi de 59 lux. No período em que vivi normalmente, a média subiu para 26 lux, com um pico de 9.640 lux – eu não tenho ideia de onde veio essa luz artificial superbrilhante. O medidor não detectou qualquer emissão de luz do smartphone ou laptop nesse estágio. E isso é importante porque há cada vez mais evidências de que esses dispositivos também atrapalham o sono.
Um estudo de 2015 sugere que utilizar leitor de livros digitais (e-reader) antes de dormir pode prolongar o tempo que as pessoas levam para pegar no sono, atrasar o ritmo circadiano (período de aproximadamente 24 horas em que se baseia o ciclo biológico), suprimir a fase do sono REM (em que ocorrem os sonhos) e deixar os usuários mais cansados na manhã seguinte. Tudo isso se comparado a quem lê livros impressos pelo mesmo período de tempo.
Outra pesquisa recente confrontou as reações de dois grupos que jogaram games de computador à noite – um dos times usou um smartphone padrão e o outro um com tela modificada, sem a luz azul. Os jogadores do smartphone convencional se sentiram mais agitados após a partida e tiveram desempenho pior nos testes cognitivos no dia seguinte. Isso sugere que o sono deles provavelmente teve uma qualidade pior do que o outro grupo.
Vida social na escuridão
Minhas tentativas de evitar luz artificial também atrapalharam minha vida social. Poucos dias antes do meu experimento começar, uma amiga nos convidou para um evento na casa dela perto do Natal, bem no meio de uma “semana escura”.
Quando expliquei meu dilema, ela generosamente ofereceu uma sala à luz de velas, no segundo andar da residência, onde as pessoas poderiam aparecer para me cumprimentar. Mas recusei educadamente, me sentindo como veganos quando são convidados para almoçar em uma churrascaria.
Em vez disso, incentivamos os amigos a nos visitarem. E eles vieram: animados, curiosos e até preocupados com o que poderiam encontrar.
Uma família inicialmente recusou nosso convite para passar o Ano-Novo – disseram que estavam preocupados com a possibilidade de o filho derrubar alguma vela. Mas mudaram de ideia quando eu falei que poderiam usar as luzes do quarto (mantivemos todas as velas fora do alcance das crianças).
Uma vez que nos adaptamos aos desafios, posso dizer que viver sem luz artificial foi muito agradável. As conversas pareciam fluir mais facilmente, e as visitas também comentavam como era relaxante ficar sob uma luz mais fraca. Outro benefício foi constatar que nossos filhos pareciam mais calmos à noite, embora eu não tenha coletado nenhum dado sobre isso.
Mas isso tudo fez diferença no meu sono ou desempenho mental? Houve uma tendência geral no sentido de dormir mais cedo durante as semanas do experimento – especialmente naquelas em que combinei o aumento da exposição à luz do dia e a baixa iluminação noturna. Nesse período, em particular, eu me deitava às 23h, em vez de 23h35 (horário em que ia para cama nas semanas que levava uma vida normal).
Como era dezembro, eu tinha muitos compromissos sociais. Então, vira e mexe, ignorava os sinais de sono do meu corpo e ficava acordada até mais tarde. É uma questão com qual os pesquisadores costumam esbarrar com frequência.
“As pessoas têm obrigações sociais e é muito difícil para elas obedecerem ao relógio interno”, diz Mariana Figueiro, diretora do Lightning Research Center, em Troy, em Nova York. “Estamos frequentemente lutando contra a nossa fisiologia.”
Mesmo assim, quando escurecia, eu sentia muito mais sono do que antes. Meu corpo também começou a produzir melatonina uma hora e meia mais cedo durante a semana em que aumentei a exposição à luz do dia. E duas horas antes no período em que evitei a iluminação noturna.
Esse é o padrão encontrado em outras pesquisas. Assim como eu, Kenneth Wright, da Universidade de Boulder, no Colorado (EUA), é fascinado em estudar como o ambiente moderno de iluminação pode afetar o relógio biológico.
Em um experimento em 2013, o pesquisador enviou oito pessoas para acampar nas Montanhas Rochosas, também no Colorado, durante uma semana do verão, e mediu como a experiência afetou o sono delas.
“Acampar é uma maneira óbvia de nos afastarmos desse ambiente de iluminação moderno e de termos acesso apenas à luz natural”, diz Wright.
Antes da viagem, os participantes iam dormir, em média, às 00h30 e acordavam às 8h da manhã. Ao fim do acampamento, ambos os horários estavam adiantados em uma hora e doze minutos. Privados de luz artificial, começaram a produzir melatonina cerca de duas horas antes – apesar de não terem dormido por mais tempo.
Recentemente, Wrigth repetiu o experimento no inverno. Desta vez, ele descobriu que os participantes foram deitar cerca de duas horas e meia mais cedo (sob condições naturais de iluminação), mas acordaram mais ou menos na mesma hora em que se levantavam em casa. Isso significa que eles dormiam por cerca de duas horas e vinte minutos a mais.
“Acreditamos que isso aconteceu porque, no intuito de se aquecerem, os participantes voltaram para suas barracas mais cedo do que o normal. Então, tiveram uma oportunidade maior para dormir”, explica Wright.
Ao contrário deles, não apresentei um aumento tão significativo na quantidade de sono – embora tenha havido um ligeiro acréscimo, assim como na eficiência do mesmo (a proporção do tempo em que você dorme versus o que passa na cama).
Ainda assim, não chega a ter relevância estatística, o que significa que pode ter sido fruto do acaso. Talvez seja porque eu estava morando em uma casa relativamente quente, o que tornava mais fácil desafiar meu relógio interno. Além disso, meus filhos me forçavam a levantar da cama no horário habitual pela manhã. Sem contar que, de vez em quando, também me acordavam à noite.
Mas quando correlacionei meu sono com a quantidade de luz a que fui exposta durante o dia, surgiu um padrão interessante. Nos dias mais ensolarados, fui para a cama mais cedo. E, para cada aumento de 100 lux na minha média diária de exposição à luz, a eficiência na hora de dormir aumentou em 1% – e consegui dormir dez minutos a mais.
Também me senti mais disposta ao acordar durante as três semanas de experimento – especialmente no período em que fui mais exposta à luz do dia.
Esse padrão também foi observado em outros estudos. A Administração de Serviços Gerais dos EUA (GSA, na sigla em inglês) gerencia diversos prédios públicos, parte deles construídos ou reformados para receber mais luz solar do que um edifício convencional. Os chefes da agência estavam ansiosos para saber se isso teria algum efeito para a saúde dos funcionários que trabalhavam nesses imóveis.
Em parceria com a pesquisadora Mariana Figueiro, do Lighting Research Center, eles escolheram quatro prédios corporativos, além do Edifício de Escritórios Regionais da GSA, em Washington DC. Pediram então para os funcionários usarem um dispositivo em torno do pescoço, que coletaria dados sobre a incidência de luz solar. Também aplicaram questionários diários relativos ao humor e ao sono. O tempo do experimento foi de duas semanas, uma durante o verão e outra durante o inverno.
Quando os dados sobre a incidência de luz começaram a aparecer, inicialmente eram desanimadores. Apesar de todo esforço para aumentar a exposição à luz do dia nesses edifícios, muitos funcionários da GSA não estavam recebendo quantidade de luz suficiente.
“Nosso estudo revelou que, se o funcionário estiver a cerca de um metro da janela, ou até um pouco menos, ainda perde a luz do dia”, diz Figueiro.
“Não é apenas a distância da janela que importa. Há repartições, pessoas que fecham as persianas. Ter uma janela não necessariamente equivale a ter uma boa luz do dia.”
Em busca de mais respostas, a equipe de Figueiro dividiu os funcionários em dois grupos: os que estavam recebendo um alto nível de estímulo circadiano (ou seja, expostos à luz brilhante ou azul o suficiente para ativá-lo); e aqueles que estavam recebendo um estímulo baixo.
Os funcionários do primeiro grupo levaram menos tempo para pegar no sono à noite e dormiram por mais tempo. A luz da manhã pareceu ser particularmente poderosa: os que estavam expostos à luz, entre 8h e 12h, demoraram, em média, 18 minutos para adormecer. Já a média do grupo exposto a um baixo estímulo circadiano era de 45 minutos.
Além disso, o primeiro grupo descansava 20 minutos a mais do que o segundo. Sua eficiência do sono foi 2,8% maior – e relataram menos distúrbios. No inverno, essas associações foram mais fortes, pois é justamente quando as pessoas têm menos oportunidade de receber luz natural durante a jornada de trabalho.
Gordijn também publicou recentemente uma pesquisa mostrando que as pessoas dormem melhor após uma exposição maior à luz do dia.
Nesse estudo, os participantes foram conectados a monitores de polissonografia – exame que detecta os estágios e ciclos do sono.
“As pessoas tiveram mais sono profundo e ficaram menos cansadas após mais exposição à luz do dia”, acrescenta Gordijn.
Poder da luz
Até recentemente, os cientistas acreditavam que nossa vontade de dormir era impulsionada por dois sistemas independentes: o ritmo circadiano, que afeta o ciclo do sono, e um sistema homeostático, que vigia quanto tempo você está acordado e aumenta a pressão para dormir.
Já se sabia que a luz alterava os horários do sono por meio do sistema circadiano. Mas um estudo recente, realizado por Samer Hattar, da Universidade de Maryland, nos EUA, sugere que as células oculares sensíveis à luminosidade, que controlam o ritmo circadiano, também se conectam ao sistema homeostático.
“Sugerimos que o tempo e a intensidade de exposição à luz não modulam apenas aspectos do sono relacionados ao ciclo circadiano, mas também à pressão para dormir gerada pelo sistema homeostático”, afirma Gordijn.
A luz natural também influencia o humor. Os funcionários da GSA expostos ao sol da manhã apresentaram uma pontuação baixa em uma escala de autoavaliação sobre depressão. Além disso, outro estudo mostrou que a luz matinal, assim como do resto do dia, pode melhorar os sintomas da depressão não sazonal.
“Provavelmente isso tem a ver com ser mais integrado ao ciclo claro/escuro e dormir melhor”, diz Figueiro.
Em seu estudo, aqueles que registraram um alto estímulo circadiano durante o dia tendiam a ser mais ativos à luz do sol, e menos ativos quando escurecia, indicando que o sono deles estava mais alinhado com o relógio interno.
Os dados vão ao encontro de pesquisas realizadas no Reino Unido. Em março de 2007, Dijk e seus colegas substituíram as lâmpadas de dois andares de uma empresa de distribuição de peças eletrônicas, no norte da Inglaterra. Por quatro semanas, funcionários de um andar do prédio foram expostos a uma iluminação azul enriquecida, enquanto os do outro andar foram expostos à luz branca.
Na sequência, as lâmpadas foram trocadas de andar, o que significa que ambos os grupos foram expostos aos dois tipos de iluminação.
Os pesquisadores descobriram que a exposição à luz branca enriquecida de azul durante o dia, melhorava o estado de alerta, o desempenho e a fadiga noturna dos empregados. Eles também relataram um aumento na qualidade e tempo de sono.
Isso também se encaixa nas minhas próprias descobertas. Logo depois de acordar e antes de ir para a cama, eu preenchia um questionário para avaliar o quão bem ou mal estava me sentindo. Os resultados sugerem que meu humor matutino foi significativamente mais positivo durante as semanas do experimento, do que quando eu estava vivendo normalmente. Houve também uma tendência de redução dos sentimentos negativos à noite.
Posso dizer que me senti energizada e disposta nas semanas em que fiquei mais tempo ao ar livre. Desde então, passei a me exercitar no parque e estou aprendendo a apreciar as longas noites de inverno, em vez de só reclamar da escuridão. Agora vejo essa estação como uma oportunidade para fazer do meu lar algo mais aconchegante, à luz de velas.
Até minha filha entrou na onda. No fim do experimento, perguntei se ela estava ansiosa para acender as luzes novamente.
“Não”, ela respondeu. “Tem sido maravilhoso, as velas são realmente relaxantes.”
No entanto, meu filho de quatro anos insistia no contrário – ele queria ver o que estava comendo na hora do jantar.
Embora nenhum dos resultados dos meus testes cognitivos tenha alcançado significância estatística, notei uma tendência de velocidade de reação maior durante as semanas do experimento. Por exemplo, meu desempenho em um teste – que se resumia a lembrar onde estava escondido um objeto diante de uma série de caixas – foi um pouco melhor.
Estudos realizados por Djik e Gilles Vanderwalle, da Universidade de Liège, na Bélgica, mostraram que a exposição à luz brilhante ativa áreas do cérebro relacionadas ao estado de alerta, embora os efeitos não tenham sido duradouros. Mas, em outra pesquisa, cientistas da Universidade Charité, em Berlim, descobriram que os efeitos energizantes da luz se prolongavam pelo resto do dia.
Quando os participantes eram expostos à luz azul brilhante enriquecida pela manhã, eles relataram sentir menos sono à noite. A velocidade de reação deles também foi mantida, em vez de diminuir à medida que o tempo passava.
Além disso, o brilho da luz da manhã parece amortecer o impacto dos efeitos da luz azul noturna no nosso relógio interno – uma descoberta que está alinhada com os atuais modelos matemáticos, que explicam como a luz afeta o relógio biológico dos seres humanos e o sono.
Isso reforça a ideia de que a luz azul enriquecida e brilhante das manhãs pode ser uma contrapartida útil contra a luz artificial das noites ,especialmente durante as estações mais escuras, quando se tem menos luz do dia. E significa que não precisamos, necessariamente, passar as noites no escuro ou parar de usar nossos computadores e dispositivos eletrônicos.
“Os efeitos da luz noturna dependem muito da luz a que você foi exposto pela manhã”, argumenta Diets Kunz, que participou do estudo.
“Quando afirmamos que deixar as crianças usarem o iPad à noite pode fazer mal, é porque elas passam o dia na escuridão biológica. Pois se elas fossem expostas à luz durante o dia, pode não fazer diferença usar o iPad à noite.”
Parece muito simples. Mas passar mais tempo ao ar livre durante o dia e reduzir a iluminação à noite pode ser realmente uma receita para dispor de um sono e uma saúde melhor. Por milênios, os seres humanos viveram em sincronia com o sol. Talvez seja hora de nos reaproximarmos.
*Linda Geddes é autora do livro ‘Chasing the Sun: The astonishing science of sunlight and how to survive in a 24/7 world’ (‘Perseguindo o Sol: a incrível ciência da luz solar e como sobreviver em um mundo que não para’, em tradução livre). Será publicado pela Wellcome Collection, em janeiro de 2019.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.