Embora a alteração da lei seja um pleito dos próprios produtores culturais, há quem, dentro do segmento, não veja a mudança com bons olhos, como a produtora Mônica Mac Dowell. Para ela, o novo dispositivo poderá acarretar em menos projetos gratuitos para o público, já que os proponentes, para arcar com os 20% de contrapartida, ou aumentariam os custos de produção ou passariam a estruturar seus projetos em cima de bilheteria, por exemplo.
“Do jeito que a Lei CC está hoje, o proponente pode escolher se o projeto vai ser gratuito ou pago (com bilheteria) e ter o seu projeto 100% incentivado do mesmo jeito. Mas com a mudança, o proponente entraria com 20%. Num evento pago, dá pra tirar esses 20% na bilheteria. Não tem nada errado isso. Já acontece isso na lei Djalma Maranhão [lei municipal], por onde faço o projeto Cores do Nosso Samba, no Teatro Riachuelo, em que cobro o ingresso. Mas se for gratuito, como o proponente vai tirar os 20%?”, questiona Mônica. “Óbvio que o proponente pode conseguir algumas parcerias, mas não é muito comum. Então acho que a mudança na lei vai incentivar o superfaturamento dos projetos [gratuitos] para que se tire esses 20% de algum lugar, já que não se teria a bilheteria”.
A produtora ainda atenta para outro detalhe. “[Com a lei atual] Algumas empresas dizem que dão os 20% se depois o proponente devolver. Já me propuseram isso. Não sei se tem produtores aceitando isso. Eu não aceito. Pra evitar esse tipo de coisa, acho que propuseram essa alteração na lei”, comenta Mônica. “Pra mim é um equívoco absurdo. Vai incentivar os projetos pagos, ao contrário dos gratuitos”.
Votação nesta terça-feira
O pedido de alteração da Lei CC foi encaminhado pela Fundação José Augusto (FJA) à Assembleia Legislativa no mês passado e deve ir para plenário nesta terça-feira (21). A minuta do documento foi elaborada depois de reuniões entre a FJA e os produtores culturais interessados, dentro os quais, Diana Fontes. Para ela, o novo dispositivo é claro quando especifica a origem dos 20%. “A contrapartida pode ser tanto do produtor quanto do empresário e pode ser com recursos financeiros ou produto e serviço. Mesmo gratuito, existe valoração dos produtos e serviços”, diz Diana.
Jomardo Jomas, do Festival Mada, apoia mudanças na Lei CC
Como exemplo de contrapartida em serviço, Diana cita a possibilidade de se usar a mídia espontânea que uma empresa pode ter ao aparecer em matérias na imprensa sobre um determinado evento patrocinado pela Lei CC. “Nos projetos temos um gráfico com a mídia orçada (mídia paga) e a espontânea. Essa mídia espontânea tem uma valoração que já é uma contrapartida”, conta a produtora. “Creio que a mudança é necessária. Vai facilitar e democratizar [a captação], dando acesso a projetos menores, devido ao leque [de empresas patrocinadoras] que se abrirá”.
Fundador do Festival MADA, Jomardo Azevedo também apoia as mudanças na lei. “Eventos pagos ou gratuitos estão com dificuldade de captar. E o grande gargalo está sendo a obrigatoriedade dos 20%. Na Lei Câmara Cascudo não existe a modalidade Doação (100%), como na lei municipal para projetos gratuitos. Por alguma razão não conseguiram colocar nesse novo decreto. [A alteração] Não é a ideal, mas acho que é o possível no momento para facilitar a captação”, comenta.
Sugestões
Para a produtora Mônica Mac Dowell, as alterações na Lei Câmara Cascudo poderiam envolver outros modalidades que suavizariam a contrapartida, de modo escalonado, sem incentivar a produção de eventos com bilheteria. “Acredito que as empresas podem sim contribuir com os 20%. Se for facultativo [a contrapartida], a empresa vai dizer para o proponente dar os 20%”, argumenta a produtora. “Já que se vai mudar. Os projetos que forem gratuitos a empresa entraria com 5%, um percentual menor. Isso já facilitaria muito. Se quiser facilitar a captação para projetos pagos, poderia se colocar 10% de responsabilidade da empresa e 10% do proponente. Ficaria 80% patrocinado pelo governo, e 20% dividido, obrigatoriamente, pelo proponente e patrocinador”.
Íntegra da proposta de mudança do artigo da Lei Câmara Cascudo:
“Para poder utilizar os benefícios da Lei, o beneficiário ou proponente deverá contribuir com recursos próprios em parcela equivalente a, no mínimo, 20% (vinte por cento) do valor dos recursos transferidos ao projeto, através de numerário ou o equivalente em bens ou serviços”.