Uma palavra que não se encaixa no vocabulário da estudante e futura engenheira Allice Serafim é desistir. Ela tem 71 anos e, impedida pelo pai e pelo marido de estudar quando era mais jovem, a idosa que mora em Catanduva (SP) voltou para a sala de aula para realizar um sonho antigo: a faculdade.
Aos 8 anos, Allice foi impedida pelo pai de terminar a escola. Mais velha, aos 18 anos, ela se casou e o marido também não a deixou frequentar a escola. O motivo, segundo ela, é o mesmo:
“Em 1955 meu pai me tirou da escola, porque para ele mulher naquele tempo não tinha que estudar e sim casar e cuidar da família. Com 18 anos me casei e meu marido pensava que nem meu pai, por causa disso eu nunca estudei”, contou Allice.
Ler e escrever ela aprendeu dentro de casa. Pegava um caderno e uma Bíblia e ia escrevendo as palavras que via, até que um dia conseguiu aprender. Foi a partir disso que despertou a vontade de terminar os estudos e cursar uma faculdade.
“Eu queria aprender as palavras, então tive de me virar sozinha, até que um dia eu aprendi. Desde então, tinha dentro de mim que um dia eu iria estudar”, contou.
O primeiro emprego foi em uma gráfica de São Paulo servindo café. Ela ficou na gráfica durante 20 anos até o marido falecer e ela voltar para Catanduva, cidade onde morou na infância.
Allice fez supletivo em Catanduva para concluir a escola — Foto: Arquivo Pessoal
Quando voltou para a cidade, a aposentada conta que passou um tempo ajudando as filhas, mas que quando viu que eles já estavam mais velhos, resolveu resgatar o sonho de voltar a estudar.
Para isso, foi atrás de um supletivo para terminar o ensino médio. Em entrevista para o G1, ela conta que as aulas eram noturnas e nada mais a impediria de estudar.
“Nunca faltei um dia sequer das aulas. Uma vez eu machuquei o pé, difícil para andar, mas não tinha problema. Fui com o pé doendo, cansada. Muito dedicada, sempre firme”, contou.
Depois do supletivo, Allice fez aula de como falar em público, de violão, de informática básica e de contabilidade.
Ela conta que sempre gostou muito de engenharia, que achava uma profissão importante na sociedade e de pessoas inteligentes. Até que um dia ela viu em uma propaganda de uma faculdade particular que estava oferecendo bolsa para o curso de engenharia de produção em Catanduva e resolveu prestar o vestibular.
“Vi a propaganda na televisão e que tinham vagas abertas. Na hora já saí de casa e no dia seguinte fiz a prova”, contou.
Allice começou a faculdade em 2018 e já está no terceiro semestre do curso. Ela divide a sala de aula com alunos na faixa etária de 20 anos, mas é muito querida por todos.
“Acredito que estão na minha vida por alguma razão, trato todos iguais meus netos e filhos. Sou uma aluna aplicada, mas em qualquer dificuldade eles estão lá para me ajudar a entender a matéria”, conta.
Allice fez amizade com os alunos que fazem o mesmo curso que ela — Foto: Arquivo Pessoal
Além de ser querida pelos alunos, Allice é vista como destaque pelos professores. O coordenador do curso, Nilton Romero, conta que a estudante é dedicada, e mesmo que com as dificuldades nunca pensou em desistir.
“Ela sente muita dificuldade, o que é normal pela idade, mas ela tem muita garra, é muito dedicada. Já tive outros alunos mais velhos que eu, mas a Dona Allice se destacou entre todos pela garra, ela não desiste, muito pelo contrário, ela quem anima a gente”, contou o coordenador.
A presença na faculdade é assídua e ela até passa dos limites das aulas. Todos os dias chega antes para tirar as dúvidas e para aprender coisas básicas da matemática para não sentir tanta dificuldade na hora de fazer os exercícios.
Mesmo sabendo da dificuldade no mercado de trabalho, a futura engenheira sonha em trabalhar na área.
“Ainda tenho fé que vou trabalhar. Mas se não der certo, tudo bem. A minha vontade é de estudar e ajudar as pessoas e fazer o bem”, conta.
Allice durante a aula de engenharia de produção em Catanduva — Foto: Arquivo Pessoal
*Sob supervisão de Marcos Lavezo