A existência de um programa habitacional não foi suficiente para extinguir a Favela do Fio. Mesmo após a entrega de apartamentos para mais de 100 famílias, as moradias precárias permanecem sob as torres de energia de alta tensão da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), no bairro de Felipe Camarão. Há famílias que se recusam a sair. E há o risco de que novas pessoas se instalem.
Ao todo, 103 famílias, antigas residentes do local, mudaram-se para o condomínio Village da Prata, incluídos na faixa 1 do programa Minha Casa, Minha Vida. Outras 20 estão para ser contempladas. Mas ainda há quem tenha ficado de fora do programa. Para evitar expansão de famílias na área de risco, o Ministério Público do Estado recomendou à Chesf, na última quinta-feira, 9, o cercamento do local.
Pelo menos 20 famílias que ainda residem na favela do Fio e Alemão, como é chamada popularmente a área, devem ir para o Village de Prata em breve. Segundo Wellington Bernardo, coordenador do Movimento de Lutas de Bairro, Favelas e Vielas (MLB), a mudança acontece tardiamente porque a Caixa Econômica Federal precisa atualizar alguns pontos contratuais com os remanescentes. A Secretaria Municipal de Habitação (Seharpe) afirmou que as famílias do local foram contemplados com apartamentos de programas habitacionais.
Depois disso, a Chesf tem a responsabilidade de retirar a área de comércio que se instalou no local. “À medida em que for promovido o reassentamento de cada uma das comunidades situadas na faixa de servidão da Linha Paraíso Natal II, de acordo com cronograma de reassentamento disponibilizado pela Prefeitura, (é preciso) que a Chesf cerque a área e promova, se necessário, os atos de defesa da posse, previstos na legislação”, diz o Ministério Público.
“A Chesf tem a obrigação de impedir a realização de construção de qualquer altura na faixa de servidão de mencionada linha”, completa o órgão. Procurada, a empresa não respondeu os questionamentos da reportagem até o fechamento desta matéria.
No local, não basta o risco de morte que muitos moradores correm todos os dias por ocupar uma área de perigo, também não são oferecidas as mínimas condições de higiene e habitabilidade, além da presença da criminalidade. Apesar da mudança, os barracos e pequenas casas de alvenaria ainda estão presentes, assim como os carroceiros, cachorros a procurar comida nos amontoados de lixo, fossa improvisadas e muitos outros problemas.
“O que acaba com a gente é essa peste de rato e barata. Quando chove é terrível, alaga. Eu já contraí pneumonia. E pra ir no posto de saúde mais perto é preciso sair daqui de quatro horas da manhã para conseguir uma ficha de atendimento”, conta Maria Ivonete, de 33 anos, sendo dez deles vivendo na favela do Fio. Ela divide um barraco com o marido carroceiro e um filho pequeno.
A senhora Cissa Tavares, de 78 anos, é outra moradora da comunidade. Vive num barraco com um irmão. Está no lugar há três anos. Para ela, a situação é muito difícil e a criminalidade assusta. “Só estamos aqui porque não temos aonde ir. Aqui acontece de tudo, meu filho. Tem que fazer vista grossa e tocar a própria vida”, diz a senhora.
Morando numa casa bem abaixo de uma das torres de alta tensão, Valmir Silva lembra que não é raro acontecer acidentes. “Tem peças da torre que às vezes estouram e caem sobre as casas, em cima de quem está passando na rua. Já machucou gente aqui, até mesmo crianças”, conta Valmir, de 44 anos, que vive na favela do Fio há quase uma década, com a esposa e um filho. Ele não recorda da última vez que alguma equipe da Chesf visitou o lugar. “Não há manutenção e nenhuma preocupação com a gente”.
A família de Valmir está cadastrada no Minha Casa Minha Vida e aguarda ansiosa a Prefeitura de Natal entregar a nova leva de apartamentos do Condomínio Village de Prata, no Planalto, onde irão morar, assim como centenas de famílias de diversos assentamentos da capital cadastradas no projeto. “É tudo o que a gente mais quer. Ter um cantinho organizado, com melhores condições de moradia. Dizer que a gente gosta de morar aqui é mentira. A situação é muito precária”.
TRIBUNA DO NORTE