O anúncio de falência da gráfica RR Donnelley, que desde 2009 imprime as provas do Enem, coloca em risco a realização do exame neste ano.
O Enem ocorre em novembro e, para cumprir o cronograma, a impressão das provas deve ocorrer até maio, no máximo.
O trabalho realizado para o Enem não é feito por qualquer gráfica, uma vez que a operação demanda reforçado sistema de segurança e tem entraves logísticos.
Colabora para a insegurança a falta de liderança atual dentro do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), responsável pelo exame. Na semana passada, o presidente do instituto, Marcus Vinicius Rodrigues, foi demitido pelo ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez.
Já o chefe da da diretoria de avaliação da Educação Básica dentro do Inep, Paulo Teixeira, pediu demissão em solidariedade ao demitido. Essa é a diretoria que cuida do Enem.
Questionado, o Inep não se manifestou até a publicação deste texto sobre a falência da gráfica, revelada pelo jornal “O Estado de S. Paulo”.
De forma reservada, servidores e ex-funcionários do instituto falaram à Folha que há grande preocupação com as indefinições e com a ausência de uma pessoa capaz de liderar essa operação.
No ano passado, o Enem recebeu 5,5 milhões de inscrições. No total, foram impressas 11 milhões de provas. O resultado é a porta de entrada para praticamente todas as universidades do país.
A gráfica assumiu a impressão do Enem 2009, depois que a prova vazou naquele mesmo ano. O sistema de segurança e logística foi aprimorado ao longo dos anos, ao mesmo tempo em que órgãos de controle cobravam a realização de licitação para o serviço.
A RR Donnelley tem contrato com o Inep para a realização da prova até este ano, segundo a Folha apurou.
A ideia dentro do Inep era publicar um novo pregão neste ano, mas a medida não andou. Há um processo de licitação envolvendo outras avaliações educacionais, como o Saeb, que também segue parado —este por causa de questionamentos de empresas concorrentes.
Segundo o presidente da Abigraf (Associação Brasileira da Indústria Gráfica), João Scortecci, a RR Donnelley não é a única empresa capaz de atender às demandas do Inep, mas o número de companhias aptas não passa de cinco no Brasil. “Imprimir é fácil, o difícil é a logística. Exige segurança, fiscalização e muito bom senso”, diz Scortecci.
Além da impressão das provas, ocorre na gráfica toda a organização das provas antes do envio para os locais de prova, como a separação das malotes por cidade. A Polícia Federal ainda faz com antecedência uma vistoria no local para garantir a segurança do processo.
O pedido de falência da RR Donnelley foi protocolado no domingo (31) na 1ª Vara Cível de Osasco. Em comunicado, a empresa afirma que “entre os fatores que levaram o grupo a tomar esta medida estão as atuais condições de mercado na indústria gráfica e editorial tradicional, que estão difíceis em toda parte, mas especialmente no Brasil”.
Diz ainda que recentemente perdeu um de seus principais clientes e registrou uma drástica redução no volume de trabalho contratado.
De acordo com a nota, a empresa entrará em contato com o sindicato e avaliará a possibilidade de rescindir os contratos de trabalho nos próximos dias, o que permitirá aos funcionários ter acesso aos valores do FGTS e ao seguro-desemprego.
A notícia da falência é mais um golpe em um mercado editorial que atravessa uma crise profunda, com a recuperação judicial da Saraiva e da Livraria Cultura. A RR Donnelley, uma das principais do mundo, que atuava há mais de 25 anos no Brasil, era a principal gráfica atender grandes editorias, como os grupos Ediouro e Companhia das Letras.
Ela era uma das preferidas para produção de obras em capa dura ou boxes de luxo, como a coleção Clássicos de Ouro, da Nova Fronteira. Os livros que a Donnelley tinha em produção não serão entregues, o que deve prejudicar o calendário de lançamentos de grandes casas.
A notícia pegou de surpresa o mercado editorial. A Sextante tentou entregar na manhã desta segunda um carregamento de 70 toneladas de papel para a impressão de um lançamento, mas os entregadores da Suzano, a fornecedora, já encontraram a gráfica fechada.
As gráficas vêm sofrendo os efeitos da crise do setor editorial não só pela situação delicada das duas principais redes do país, mas também pela redução nas compras de livros pelo Ministério da Educação desde o segundo mandato de Dilma Rousseff (PT) —o governo é responsável por cerca de um terço de todo o faturamento anual do setor.
Em momentos assim, a primeira medida dos editores é renegociar preços e prazos de pagamento com as gráficas.
Entre as editoras, porém, a decisão da multinacional ainda parece mal explicada —além de ser uma medida incomum uma empresa pedir sua falência sem antes tentar uma recuperação judicial. Além disso, a Donnelley pertence a um grupo robusto, com atuação em vários países.
Para Marcos Pereira, presidente da Sextante e do Snel (Sindicado Nacional dos Editores de Livros), a crise do setor não parece o suficiente para justificar uma decisão do tipo.
“É uma gráfica mundial. Não consegui entender a motivação desse pedido de autofalência, deve haver algo mais sério do que apenas um problema de fluxo de caixa. Isso cria uma confusão muito grande, porque toda a produção fica presa. Neste momento tudo lá está lacrada”, diz ele.