Como esperado, a Samsung apresentou ontem seu primeiro smartphone com tela dobrável: o Galaxy Fold. Quando está fechado, o aparelho parece um celular normal, só que um pouco mais gordinho e com uma tela modesta, de 4,6 polegadas. Mas, ao ser aberto, ele se transforma – e revela sua segunda tela, que é dobrável e tem surpreendentes 7,3 polegadas, o tamanho de um tablet pequeno (o iPad mini tem 7,9″). Veja no vídeo abaixo:
O aparelho impressiona, inclusive pelo preço: nos EUA, o Galaxy Fold irá custar US$ 1.980. Seu valor no Brasil, ou a possível data de lançamento por aqui, ainda não foram divulgados. Mas, a julgar pelo que acontece com os preços de outros smartphones, o Fold deverá alcançar R$ 15 mil.
Quinze. Mil. Reais. Com esse dinheiro, você compra um carro popular 2012, três motos zero km ou três pacotes de férias na Europa. É um caminhão de dinheiro – e faz até os preços dos iPhones parecerem menos chocantes. O valor do Galaxy Fold está completamente fora da realidade, inclusive para o mercado dos EUA. E a Samsung sabe disso. Ela tem conhecimento de que, ao estabelecer US$ 1.980 como preço, não irá vender milhões de unidades do aparelho. Vai vender pouco – e a ideia talvez seja essa mesmo.
Parece absurdo, eu sei. Como uma empresa pode lançar um produto e não querer que seja um sucesso? Acontece que, no caso do celular dobrável, há outras coisas em jogo. A tela do Galaxy Fold é de OLED. Nos últimos anos, essa tecnologia amadureceu muito, e hoje tanto a Samsung quanto a LG alcançam 90% de “rendimento” (yield) nas suas linhas de produção. Isso significa que, de cada 10 telas fabricadas, só uma tem de ser descartada por causa de defeitos.
Mas nas telas de OLED dobrável, como a do Galaxy Fold, não é assim. Ainda que o custo de produção não seja tão mais alto (Samsung e LG dominam a tecnologia de tela flexível há pelo menos 5 anos), o yield do OLED dobrável tende a ser bem menor, por dois motivos: a produção da tela requer novos processos e, como ela é dobrável, tem de ser muito mais resistente, o que exige um controle de qualidade mais rígido. Isso significa que as fábricas simplesmente não conseguem produzi-la em enorme escala. Se milhões de pessoas quisessem comprar o smartphone dobrável da Samsung, a empresa não teria o que vender. Jogar o preço lá em cima, neste caso, é uma forma de controlar a demanda.
O outro motivo é que, por mais que o Galaxy Fold impressione à primeira vista, é provável que tenha uma série de problemas fundamentais, típicos de um produto de primeira geração. A tela, por exemplo, aparentemente não fica totalmente desdobrada – tem um vinco permanente, bem no meio. A adaptação do Android, para que o sistema consiga utilizar a nova tela de formas inteligentes e eficientes, também deve levar algum tempo (o celular dobrável Flex Pai, lançado em janeiro pela empresa chinesa Royole, é um verdadeiro desastre). Ao cobrar US$ 2.000 pelo Galaxy Fold, a Samsung assegura que ele só será comprado pelos chamados early adopters: pessoas que gostam muito de tecnologia e estão dispostas a tolerar bugs e deficiências.
Ela teria condições de cobrar bem menos, se quisesse. Primeiro, porque OLEDs são relativamente baratos: a tela do iPhone XS Max custa menos de US$ 100 – mesmo se a tela dobrável for muito mais cara, ela dificilmente justificaria, por si só, o preço do Galaxy Fold. Segundo, porque o Flex Pai já é vendido na China por US$ 1.300, muito menos do que o novo Samsung. Se o Galaxy Fold estivesse perto desse patamar, teria chance de vender bem – e a gigante coreana acabaria lucrando muito mais. Mas há obstáculos técnicos que ela não quer, e provavelmente não consegue, enfrentar agora. Quem sabe daqui a um ou dois anos.
O smartphone dobrável da Samsung é uma demonstração tecnológica impressionante, que pode sinalizar um novo caminho para a indústria. Mas, como produto, ainda é meramente aspiracional: serve para encantar as pessoas, reforçar a imagem da marca – e ajudar a vender os Galaxy comuns, sem tela dobrável.