O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) mantém sem julgamento, há mais de dois anos, recursos que poderiam ter levado ao afastamento de Sergio Moro dos processos da Operação Lava Jato na época em que ele era juiz.
Desde maio de 2017, foram colocados e retirados de pauta dois recursos de parlamentares questionando arquivamentos pelo CNJ de reclamações disciplinares contra Moro.
Elas foram motivadas pelo vazamento de conversas telefônicas da então presidente Dilma Rousseff (PT) com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em março de 2016.
Os recursos, no entanto, seguem pendentes de análise —e Moro acabou deixando a magistratura no final de 2018 para se tornar ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro (PSL).
Um dos recursos foi apresentado pelo ex-deputado federal WadihDamous (PT-RJ) e outros parlamentares. O segundo é encabeçado pela ex-senadora Ângela Portela (PDT-RR), dentre outros políticos.
Damous é ex-presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no Rio de Janeiro e considerado um dos mais fiéis defensores de Lula.
Quando os recursos começaram a tramitar, um grupo de conselheiros do CNJ articulou um movimento interno, divergente, para tentar suspender os arquivamentos das reclamações.
O impasse começou na gestão de Ricardo Lewandowski no CNJ (2014-2016), período em que Nancy Andrighi respondeu pela corregedoria nacional de Justiça.
A indefinição atravessou a administração de Cármen Lúcia (2016-2018), sendo corregedor João Otávio de Noronha.
O recurso ainda continuava sem julgamento quando Dias Toffoliassumiu a presidência, em setembro de 2018, e Noronha foi substituído por Humberto Martins.
Ao deixar a toga, no final de 2018, Moro saiu do alcance das punições disciplinares do CNJ. O processo administrativo, porém, continua tramitando sob sigilo.
Como mostrou a Folha no mês passado, já foram instaurados 55 processos contra Moro no conselho. Desse total, 34 chegaram ao fim e a decisão foi pelo arquivamento. Os demais não tiveram desfecho. Três estão suspensos, aguardando andamento, e outros 18 tramitam.
Os procedimentos correram sob relatoria da Corregedoria Nacional de Justiça, órgão vinculado ao CNJ, que avalia se juízes cometeram desvios éticos ou disciplinares.
Em relação ao recurso de Damous, Humberto Martins diz que ele foi retirado da pauta na gestão de Noronha, em 26 de julho de 2018, e que foram juntados novos documentos desde novembro passado.
A reclamação do ex-deputado ingressou no CNJ em 30 de março de 2016.
Uma semana antes, Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol citaram o CNJ ao tratar das planilhas encontradas pela Polícia Federal na casa de um executivo da Odebrecht, conforme diálogos reproduzidos pelo site The Intercept Brasil e pela Folha.
Moro considerou a divulgação das planilhas “uma lambança”. “A pressão será grande no CNJ”, disse o juiz. Deltan prometeu “falar com nosso representante no CNJ”.
O representante do Ministério Público Federal era o procurador regional da República Rogério Nascimento, que deixou o colegiado em 2018.
Nascimento disse à Folha não se lembrar se Deltan ou qualquer outro colega de Curitiba tinha falado com ele sobre a reclamação contra o juiz.
“Muitos colegas pediam notícia sobre casos. Atender procurador, juiz, advogado, partes e imprensa é parte da rotina de conselheiro”, disse Nascimento.
Depois dos ataques digitais aos integrantes do MPF e antes do início da divulgação pelo Intercept, ele cancelou sua conta do Telegram sem fazer back-up.
Nancy Andrighi determinou o arquivamento da reclamação de Damous no dia 16 de maio de 2016.
Entendeu que o ato de Sergio Moro foi jurisdicional. Ou seja, da competência do juiz. E que o TRF-4, em Porto Alegre, já estaria apurando os mesmos fatos.
O arquivamento teria que ser levado a plenário para confirmação ou não da decisão de Andrighi.
Alguns conselheiros discutiram a intenção de abrir a divergência. Esperavam obter até sete votos pela abertura do processo disciplinar.
Eles entendiam que a Constituição assegura ao CNJ rever o arquivamento pelo TRF-4.
Quando Teori Zavascki determinou a devolução das investigações ao STF, viram a liminar do ministro como uma autorização para o CNJ investigar se Moro violou a competência exclusiva do STF, e se utilizou e tornou pública gravação telefônica obtida mediante interceptação ilegal.