Na última segunda-feira (23), o Brasil entrou na mira da ativista sueca Greta Thunberg. O país, junto a outras quatro nações (França, Alemanha, Argentina e Turquia), foi acusado de não fazer o suficiente para combater o aquecimento global.
Greta apresentou uma queixa formal à ONU (Organização das Nações Unidas) – mais especificamente, ao Comitê dos Direitas da Criança. A denúncia, feita em conjunto a outros 15 jovens ativistas (de 8 a 17 anos), pede que os países criem medidas para proteger as crianças dos efeitos da crise climática.
Essa não é a primeira ação da jovem de 16 anos diante da ONU. Nos últimos meses, Greta se tornou uma das principais vozes sobre assuntos climáticos ao cobrar que autoridades combatam o aquecimento global. A estudante chamou atenção ao ganhar lugar cativos de assembleias e encontros globais sobre o clima – e, principalmente, por fazer discursos incisivos para líderes internacionais.
Entenda como a postura combativa da jovem, seu hábito de faltar a aula às sextas-feiras e uma viagem que fez de veleiro pelo Atlântico têm inflamado as discussões sobre mudanças climáticas no mundo todo.
Como o ativismo de Greta começou
Nascida em Estocolmo, capital da Suécia, Greta diz que ouviu sobre mudanças climáticas e aquecimento global pela primeira vez aos oito anos, durante aulas do ensino fundamental. Em entrevista à BBC, a garota conta que o assunto a abalou tanto que, aos 11, entrou em depressão profunda, deixando, inclusive, de ir ao colégio.
Seu pontapé inicial como ativista da causa climática aconteceu em agosto de 2018. Greta, na época com 15 anos, começou a faltar na escola parar protestar, todos os dias, na frente do Parlamento sueco. A ideia era manter a greve até o começo de setembro, quando seriam disputadas as eleições gerais do país.
A menina ganhou companhia logo nos primeiros dias de protesto, mesmo sob as críticas de que ela não deveria abdicar das aulas para defender suas reivindicações. Ao jornal The Guardian, Greta disse que, enquanto estava na rua, não deixava de ler livros, especialmente sobre o clima. E aproveitou para cutucar o governo: “O que eu vou aprender na escola? Os fatos não importam mais. Se os políticos não estão ouvindo os cientistas, então por que devo aprender?”
Anos antes, Greta foi diagnosticada com síndrome de Asperger, um transtorno do espectro autista que leva a pessoa a apresentar uma série de sintomas, como dificuldade de interação e comunicação, além de outros problemas comportamentais. A menina encara a doença com naturalidade. “Me faz ser diferente, e isso é até uma dádiva. Posso enxergar além do óbvio”, disse à BBC.
Segundo a literatura científica, uma característica de pessoas com Asperger é o ávido interesse em saber tudo sobre coisas específicas – o que pode explicar a obsessão de Greta pela crise climática e sua devoção pela causa. “Meu diagnóstico definitivamente me ajudou a manter o foco”, disse a sueca ao canal CNN.
O ativismo da jovem teria impactado até mesmo a carreira de sua mãe, a cantora de ópera Malena Ernman. Ela afirmou ter desistido da carreira internacional devido aos impactos climáticos causados pelos aviões – mesmo motivo que fez Greta embarcar em um veleiro para chegar a conferências climáticas da ONU em Nova York, há algumas semanas.
A travessia pelo Oceano Atlântico
Durante a Cúpula do Clima, na sede da ONU em Nova York, Greta falou a líderes de 60 países e os culpou por não fazerem nada para reduzir as emissões dos gases do efeito estufa. O vídeo viralizou na internet.
Para chegar à cidade sem aumentar sua própria pegada de carbono, a sueca conseguiu apoio para um projeto ousado: atravessar o Oceano Atlântico em um barco à vela. A embarcação era movida pelo vento e 100% sustentável, com painéis solares e turbinas que geravam energia pelo movimento das águas.
A missão aconteceu no dia 14 de agosto no porto de Plymouth, na Inglaterra, e terminou em Nova York em 28 de agosto. Greta foi recebida por dezenas de jornalistas e apoiadores do movimento, além de uma comitiva de 17 pequenos barcos – cada um deles trazia uma mensagem representando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável propostos pela ONU.
Qual a repercussão do movimento
Os protestos de Greta deram início ao movimento “Greve Escolar pelo Clima”: estudantes foram às ruas em mais de 500 cidades no mundo contra as atuais políticas climáticas. No dia 15 março de 2019, as passeatas somaram 1,5 milhões de pessoas; no dia 20 de setembro, foram mais de 4 milhões.
Após o ato inicial no Parlamento sueco, Greta ainda continuou faltando na escola todas as sextas-feiras – ação que se espalhou e gerou a campanha #FridaysforFuture (“Sextas pelo Futuro”, em inglês).
Greta tem viajado o mundo para participar de eventos e assembleias sobre o clima. Em dezembro de 2018, a ativista discursou durante o COP24, encontro da ONU sobre mudanças climáticas que aconteceu na Polônia, onde criticou as atitudes dos líderes globais sobre o tema.
Em janeiro deste ano, no Fórum Econômico de Davos, na Suíça, ela adotou sua habitual postura incisiva, iniciando seu texto com a fala “Nossa casa está em chamas”, e terminando com “Eu quero que vocês entrem em pânico, e sintam o que sinto todos os dias”.
Quais as controvérsias do seu discurso
Apesar da crescente notoriedade, a postura da ativista também tem sido alvo de críticas. Os principais pontos de ataque questionam a agressividade dos discursos de Greta – e o tamanho de sua eficácia.
“Thunberg acredita que as pessoas devem agir, não discutir”, disse Christopher Caldwell, colunista do New York Times. O artigo ressalta que, apesar do esforço de Greta, é preciso levar em conta que soluções em escala global não podem ser feitas rapidamente. Há de se considerar que toda uma sociedade está construída a partir dos hábitos atuais de produção e emissão de gases nocivos ao ambiente. Uma nova política sobre emissões de carbono, por exemplo, teria implicações imediatas em diversas áreas, como transporte, alimentação, saúde, entre outras.
A ativista pede por ações imediatas na Suécia, país que, recentemente, fez a promessa de se tornar 100% livre de emissões de carbono até 2045 – plano ambiental considerado um dos mais ambiciosos do mundo. Para Greta, isso ainda não é o suficiente: “A Suécia não é esse paraíso verde que ela diz ser.”
Além disso, a viagem de Greta até Nova York também despertou debates. De acordo com um porta voz de um dos capitães do navio usado por Greta na travessia do Atlântico, Boris Herrmann, várias pessoas viajariam de avião até os EUA para trazer o barco de volta. O próprio Herrmann retornaria a Europa de avião – o que contradiria a premissa da travessia. De acordo com outros participantes do projeto, esses voos seriam compensados de alguma forma, mantendo a viagem de barco neutra em relação ao carbono.
A “Geração Greta”
Apesar das críticas, Greta segue como uma das principais líderes dos movimentos contra a crise climática. No Instagram, são 5,8 milhões de seguidores; no Twitter, 2,2 milhões. Por lá, sobrou até para Donald Trump, cuja declaração sobre a ativista foi ironizada pela própria estudante.
A sueca acabou virando o símbolo da resistência jovem diante das mudanças climáticas que o jornal El País chamou de “Geração Greta“: crianças, adolescentes e jovens adultos preocupados com o futuro do planeta – e que podem ser uma esperança para que as previsões mais preocupantes do aquecimento global possam ser revertidas.
Em uma época em que adultos relativizam a ação humana nas mudanças climáticas – como o ministro das Relações Exteriores brasileiro Ernesto Araújo – ter uma jovem com um discurso incisivo até que não é má ideia.