Venezuelanos atacados por brasileiros em um ato em Pacaraima, cidade na fronteira, relataram terem sofrido sucessivas agressões neste sábado (18). Pela manhã, moradores da cidade praticaram atos de violência, destruíram acampamentos e expulsaram os imigrantes da ruas. Com medo, muitos deles decidiram voltar a pé para o país.
O tumulto na fronteira começou por volta das 7h deste sábado quando moradores de Pacaraima incendiaram pertences de imigrantes depois de um comerciante brasileiro ter sido assaltado na cidade. A suspeita é que venezuelanos tenham cometido o crime, o que revoltou a população.
A família do mecânico Marido Alexander Pérez, de 38 anos, foi uma das vítimas do tumulto. Eles deixaram a cidade de El Tigre há quatro meses viviam em um barraco às margens da BR-174, em um acampamento improvisado.
Inconsolável, a esposa de Pérez, Yaretsi Corrêa, 37, chorou bastante ao ver que todo alimento que ela estava guardando para levar para os filhos na Venezuela foi queimado. Além disso, todos os documentos deles, como Cédula Venezuelana, CPF brasileiro, cartão do SUS, diploma universitário e certificado de conclusão da escola, foram incendiados.
“Eles [brasileiros] nos disseram que se continuarmos aqui vão nos matar. Vou estar mais tranquila quando cruzar a fronteira”, Yaretsi disse. A família decidiu voltar para a Venezuela. Eles cruzaram a fronteira até a aduana e de lá iriam tentar carona até Santa Elena.
Prefiro morrer de fome na Venezuela com minha família do que ser morto agredido aqui”, afirmou Pérez, ao ser questionado se ainda voltaria ao Brasil.
Eles também relataram que no momento dos ataques agentes da Força Nacional de Segurança ficaram o tempo todo presente, mas não atuaram para impedir as agressões cometidas pelos brasileiros.
“A Força Nacional estava presente aqui durante tudo e não fez nada. Parecia que estavam protegendo os brasileiros que nos agrediram”. O Ministério da Justiça em Brasília informou que não vai divulgar nota sobre a situação em Pacaraima.
Segundo a Polícia Militar da região, ninguém foi preso durante o conflito e ninguém ficou ferido.
A venezuelana Mariver Guevara, de 42 anos, também vivia com a filha de 13 anos no mesmo acampamento. Elas moravam há em um barraco que foi completemente incendiado. Ainda assustada, Mariver contou que estava fazendo café quando um grupo chegou atacando todos do espaço.
“Chegaram nos atacando, atirando pedras, garrafas. Foi muito violento. Aqui moravam crianças, mulheres, recém nascidos de dois meses. As pessoas saíram correndo. Foram empurradas. A gente tentava se defender, mas não podia porque era muita gente”, contou.
Ela disse ainda que o grupo os moradores colocaram gasolina e atearam fogo em tudo. Mariver disse que todas suas roupas e as da filha foram queimadas. Horas depois ela retornou ao barraco onde vivia e a única coisa que conseguiu resgatar em meio aos escombros foi uma biblía e um pote de plástico.
“Não sei o que fazer. Não quero voltar para a Venezuela”. Ela contou que conseguiu se esconder na casa de brasileiros conhecido dela em Pacaraima.
Durante a tarde, as ruas de Pacaraima ficaram vazias. As lojas do comércio estavam fechadas e o cenário era de destruição nos locais onde viviam os imigrantes. No Centro de Triagem, onde os venezuelanos passam para se regularizar no Brasil, também não havia ninguém.
O ato de brasileiros contra venezuelanos nas ruas de Pacaraima começou por volta das 7h e seguiu até às 10h, quando não havia mais nenhum imigrante, segundo relato dos próprios moradores da cidade.
Depois de expulsá-los, os manifestantes chegaram a bloquear a entrada da cidade, na BR-174, até às 16h. No entanto, o grupo se reuniu com autoridades de segurança e foi acordada a liberação definitiva da via.
A negociação, segundo o coronel Matos, subcomandante do Comando de Policiamento do Interior, ocorreu após a PM se comprometer com os moradores a reforçar a segurança em Pacaraima. “Nos comprometemos em manter a cidade na paz” disse.
Reforço policial na fronteira
Um reforço policial com agentes foi encaminhado de Boa Vista para reforçar a segurança em Pacaraima, segundo Matos. O número de agentes não foi informado por questões de segurança.
Já chegaram na fronteira equipes do Bope, canil, Giro e Gate. O Ministério da Segurança também anunciou que enviará 60 militares da Força Nacional para o estado diante da tensão deste sábado.
“As equipes vão ficar o tempo necessário para garantir a segurança na cidade e fazer patrulhamentos 24h”, informou o coronel.
O tumulto em Pacaraima foi motivado por um assalto a um comerciante da cidade, que foi agredido supostamente por venezuelanos. Os suspeitos fugiram após o crime e ainda não foram localizados.
Parte dos venezuelanos expulsos das ruas e de acampamentos em Pacaraima pelos moradores se abrigou em uma área externa do posto de fiscalização da Secretaria Estadual da Fazenda de Roraima (Sefaz). O lugar fica um pouco antes da entrada da cidade.
Após a conversa com os comradores, cerca de 100 venezuelanos que estavam na área externa da Sefaz foram deixados na linha da fronteira para seguirem para a Venezuela.
O coronel explicou que os imigrantes ficaram com receio de passar a pé por Pacaraima com medo de serem agredidos e por isso a PM e a PRF disponibilizaram um ônibus para eles.
“Escoltamos eles até alinha da fronteira entre o Brasil e a Venezuela. Isso não foi uma deportação, só foi quem queria”, reforçou.
O reforço policial é também para resguardar os moradores da cidade, que segundo o coronel, estão com medo de represália por parte de venezuelanos.
Pacaraima é a porta de entrada para venezuelanos que fogem da crise política, econômica e social no país de origem e entram no Brasil. A estimativa é que entrem 500 venezuelanos por dia pela fronteira do estado.
Diante da situção de conflito em Pacaraima, o governo de Roraima afirmou que está enviando reforços para o hospital de Pacaraima, com profissionais de saúde e medicamentos. Além disso, também foi pedido reforço no efetivo policial. Em nota, criticou o governo federal.
“A solução para a crise migratória só acontecerá quando o governo federal entender a necessidade de fechar temporariamente a fronteira, realizar a imediata transferência de imigrantes para outros estados e assumir sua responsabilidade de fazer o controle de segurança fronteiriça e sanitária.”
Roraima lida desde 2015 com a chegada desenfreada de venezuelanos, que estão deixando o país vizinho governado por Nicolás Maduro para escapar da crise política, econômica e social. Só nos primeiros seis meses deste ano, mais de 16 mil venezuelanos pediram refúgio no estado. O número já é 20% maior do que o registrado em todo o ano de 2017.