Os brasileiros que pagam mais de R$ 100 mil para ter filhos em Miami com nacionalidade americana

O primeiro choro do pequeno Marc, após vir ao mundo, representou a concretização do que o casal Miriane Becker, de 36 anos, e Thiago Panes, 40, considera um de seus maiores investimentos. O bebê nasceu em Miami, na Flórida, em 20 de junho. Os pais da criança acreditam que o nascimento nos Estados Unidos representa mais oportunidades ao garoto no futuro. Para que o parto do bebê ocorresse no país norte-americano, Miriane e Thiago desembolsaram, ao menos, R$ 100 mil.

O casal, que mora em Cuiabá (MT), fez economias por dois anos para o nascimento do filho nos Estados Unidos. Ele trabalha como piloto de avião e a esposa é advogada. Eles deixaram de trocar o carro, fizeram viagens mais baratas e reduziram os gastos com itens que consideram supérfluos. “Acredito que tudo isso valeu a pena, porque sei o quanto vai ser importante para o meu filho, no futuro, ter a nacionalidade americana”, declara Panes.

O casal recorreu ao serviço “Ser Mamãe em Miami”, oferecido pelo pediatra Wladimir Lorentz, de 49 anos. Brasileiro, o médico mora nos Estados Unidos, onde se formou, desde os 15 anos. Em Miami, notou o grande número de estrangeiros – em particular, o de russos -, que iam à região somente para ter o filho, para que a criança tivesse nacionalidade americana.

De olho nesse filão, Lorentz deixou a clínica em que trabalhava e criou, há três anos, a agência de partos para atender mães de todos os países que queriam ter filhos nos EUA. Logo nos primeiros meses, decidiu focar no Brasil e na América Latina. O pediatra relata que, nos últimos três anos, mais de 900 crianças nasceram nos EUA por meio do “Ser Mamãe em Miami”. Destas, segundo o médico, cerca de 500 são brasileiras.

O pediatra Wladimir LorentzEMANOELE DAIANE/BBC NEWS BRASIL
Lorentz criou programa que, segundo ele, fez 500 crianças de famílias brasileiras nascerem nos EUA

Ele afirma que os pais recorrem ao serviço por acreditarem que a nacionalidade americana é uma forma de garantir mais possibilidades aos filhos no futuro. Lorentz comenta que o número de brasileiros que buscam o projeto tem crescido a cada ano. Para o pediatra, dificuldades políticas e econômicas enfrentadas pelo país estão entre os principais fatores que motivam o aumento de clientes do Brasil.

“Os países daqueles que buscam nosso programa normalmente têm instabilidade política, insegurança e problemas sociais, por isso há tantos brasileiros. Ainda na América do Sul, há muitos pacientes da Venezuela, Colômbia e Equador”, declara, acrescentando que sua agência também atendeu casais de países como Rússia e Ucrânia.

O tema, no entanto, gera controvérsia e é visto como um problema pelo atual governo americano. Em 2015, durante a campanha eleitoral, o então pré-candidato Donald Trump chegou a defender o fim da concessão automática de cidadania a filhos de estrangeiros. À época, o também pré-candidato republicano Jeb Bush defendeu a regra atual, mas provocou a ira de muitos imigrantes ao se referir às crianças como “bebês âncoras”, fazendo referência à ideia de que ter um filho nos Estados Unidos tornaria a deportação dos pais mais difícil.

Os custos

O programa oferece três pacotes: o de parto natural custa U$ 12 mil; o de cirurgia cesariana, U$ 14 mil, e quando há nascimentos de gêmeos ou mais, o valor é de, aproximadamente, U$ 18 mil. Tendo como base a cotação atual do dólar turismo, o pacote mais barato não sai por menos de R$ 48 mil.

O “Ser Mamãe em Miami” oferece atendimento pré-natal, parto e atendimento após o bebê nascer. No pacote estão inclusos dois exames de ultrassom, anestesia durante o parto, dois a três dias de internação hospitalar, alguns exames e vacinas. O programa conta com uma equipe de 15 pessoas, incluindo dois pediatras brasileiros e quatro obstetras de países latino-americanos.

Durante a estada nos EUA, há outros gastos, como hospedagem, alimentação, transporte e custos extras com atendimentos médicos que não estão inclusos no programa. Segundo Lorentz, os quatro meses que a mulher deve permanecer no país, sendo dois antes do parto e outros dois depois, não saem por menos de U$ 25 mil – correspondente a pouco mais de R$ 100 mil, conforme a atual cotação do dólar turismo.

Panes relata que desde quando chegou aos Estados Unidos junto com a mulher, na época ainda gestante, teve de alugar carro e apartamento. “Foram gastos que eu já sabia que teria, pois fiz um estudo antes de ir a Miami. Ao todo, não gastei menos de R$ 100 mil”, diz.

O médico Wladimir Lorentz e o brasileiro Thiago Panes ao lado de bebê recém-nascidoDireito de ARQUIVO PESSOAL
Image captionFamílias como a de Thiago Panes contratam serviço que inclui exames e consultas nos EUA

No site da agência são listados quatro itens considerados fundamentais e que ficam por conta dos pais: questões imigratórias, seguro saúde, documentação e estada. “Planejo, no futuro, fazer parceria com empresas que possam oferecer esses serviços aos pacientes”, declara o pediatra.

Lorentz enfatiza que o público de seu programa é “classe A” e, por isso, desestimula aqueles que teriam de enfrentar prejuízos financeiros após ir a Miami. “É importante que tenham bom senso ao tomar a decisão de ter o filho nos EUA. Quando embarcar, tem que estar ciente de todos os possíveis custos. Não quero ninguém destruído financeiramente por causa do projeto. Se sair dos Estados Unidos sem pagar algum serviço, nunca mais consegue entrar no país”, declara.

A ida a Miami

A agência divulga seus serviços pela internet e publicações em redes sociais. Para auxiliar na divulgação, o pediatra Wladimir Lorentz viaja várias vezes por ano ao Brasil para conceder palestras sobre o tema. No fim de julho, ele esteve em São Paulo, Rio de Janeiro, Sinop (MT), Cuiabá (MT) e Campinas (SP).

A BBC News Brasil acompanhou a palestra que o médico concedeu em uma sala de eventos em um hotel de Cuiabá, em 31 de julho. Para uma plateia de 40 pessoas, a maioria formada por casais, Lorentz falou sobre o “Ser Mamãe em Miami” durante 1h15. “As pessoas entendem cada detalhe do programa nessas palestras, então se sentem mais dispostas a contratar os serviços”, justifica à reportagem, pouco antes de começar a discursar para o público.

Uma das primeiras informações que Lorentz passa na palestra é sobre o período em que a grávida deve viajar para os Estados Unidos: na trigésima segunda semana de gestação. Antes, ela precisa solicitar autorização do obstetra que a acompanha no Brasil. O profissional brasileiro deve assinar uma carta de recomendação, na qual afirma que a mulher está apta a embarcar para Miami.

Em caso de complicações na gestação, o médico aconselha que as gestantes desistam do plano de ter o filho em solo norte-americano. “Se houver problemas como má-formação, dificuldades cardíacas ou outros problemas com o bebê, é melhor que a criança nasça no Brasil. Em Miami há toda a estrutura para cuidar do recém-nascido, mas os custos nesses casos são altos”, declara. Conforme o médico, a diária em uma UTI neonatal em Miami não sai por menos de R$ 4 mil.

O pediatra Wladimir Lorentz dá palestra a famílias interessadas em ter filhos nos EUAEMANOELE DAIANE/BBC NEWS BRASIL
Image caption‘O setor de imigração pode fazer alguns questionamentos. O nosso conselho é nunca mentir’, recomenda pediatra em palestra

Os casais brasileiros que recebem autorização para viajar utilizam vistos americanos do tipo B2, destinados a turismo ou tratamento médico. O pediatra orienta que eles não mintam sobre o motivo da viagem, ao chegarem aos Estados Unidos. “O setor de imigração pode fazer alguns questionamentos. O nosso conselho é nunca mentir. Sempre digam que estão indo ter o filho em Miami e mostrem que vocês têm condições financeiras para permanecer no país durante os meses seguintes”, afirma o médico, durante a palestra.

O pediatra explica que não há nenhuma ilegalidade em ir a Miami somente para ter o filho. Ele argumenta que a prática é considerada comum na cidade e acontece há décadas. Porém, afirma que não é possível garantir que o casal conseguirá entrar nos Estados Unidos após alegar que foi ao país em razão do nascimento da criança.

“Eu não posso dar a garantia de que não vão te mandar de voltar para o Brasil. Mas posso assegurar que a verdade sempre é o melhor caminho. Nunca vou poder dar essa garantia de que vão entrar”, diz para a plateia.

As pessoas que recorreram ao programa e foram ouvidas pela BBC News Brasil relataram que não tiveram nenhuma dificuldade ao justificar, para a imigração dos Estados Unidos, que iriam a Miami ter um filho. Para o pediatra, é pouco provável que algum paciente tenha problemas ao chegar nos EUA.

Thiago Panes comenta que sua chegada ao país norte-americano, junto com a esposa grávida, foi tranquila. “Na imigração, perguntaram o motivo da nossa ida, dissemos que era para o nascimento do nosso filho, apresentei a carta de autorização do obstetra brasileiro e não houve nenhum empecilho”, relata.

A documentação

Depois do parto da criança, os pais recebem a certidão de nascimento americana e, dias depois, o social security – uma espécie de CPF americano. Os documentos atestam a nacionalidade americana do recém-nascido.

Os pais brasileiros também devem fazer o passaporte americano do filho. “Esse é um dos procedimentos mais demorados, porque chega a demorar mais de 50 dias para que o documento fique pronto”, relata Thiago Panes.

A legislação dos Estados Unidos permite que as crianças nascidas em seu território sejam cidadãos americanos. A prática não é comum a todos os países. Itália e Alemanha, por exemplo, possuem legislações diferentes e não concedem nacionalidade aos bebês de estrangeiros que nascem em suas regiões.

A Embaixada dos EUA no Brasil ressalta que a Lei de Imigração e Nacionalidade dos Estados Unidos não traz qualquer empecilho a pais estrangeiros que decidem ter o filho no país. Porém, a entidade frisa que não é permitido que permaneçam por tempo indeterminado na região somente com o visto de visitante.

Em comunicado enviado à BBC News Brasil, a embaixada pontua que é necessário que os pais comprovem no consulado – ou no setor de imigração quando chegam ao país – que possuem meios para arcar com todos os custos da viagem, incluindo gastos médicos que tenham sido planejados ou não.

Advogada especializada em Direito de Família e doutora em Direito Civil, Fabiana Domingues explica que os bebês de estrangeiros que nascem nos EUA poderão ter os mesmos direitos e deveres aplicados aos cidadãos do país.

“No futuro, a criança poderá responder por obrigações perante a Receita americana, além do alistamento militar, entre outros itens. Ela também poderá usufruir dos benefícios públicos oferecidos aos americanos, como escola pública”, conta.

Aline Villa segura o filho recém-nascido rodeada pela equipe médica
Para brasileiras que recorreram ao programa em Miami como Aline Villa, uma das maiores dificuldades foi lidar com as consultas médicas nos EUA

Em Miami, dias depois do nascimento, os pais devem ir ao consulado brasileiro para solicitar que sejam feitas as documentações do Brasil, incluindo o passaporte. “Essa criança vai ter dupla nacionalidade. Ela vai ser considerada brasileira nata também, conforme a Constituição Federal. Não há, de imediato, qualquer implicação jurídica negativa para a criança ou seus pais em relação à nacionalidade brasileira”, conta Domingues.

A nacionalidade americana da criança não se estende, inicialmente, aos pais ou irmãos. “Isso não facilita, necessariamente, algo para os genitores em relação aos Estados Unidos. Pode auxiliar quando pedir visto, por demonstrar boa relação com o país em visitas passadas, mas não é garantia de nada. Os EUA são rigorosos para vistos. As análises, muitas vezes, são procedimentos subjetivos”, explica Domingues.

Apesar de não ser garantia, muitos pais procuram o programa com planos de morar nos EUA. A educadora física Laura*, de 33 anos, teve o primeiro filho por meio do “Ser Mamãe em Miami”, no início do ano passado, e sonha em se mudar para o país norte-americano nos próximos anos. “Não sei como será em relação ao visto para mim e para o meu marido, mas sei que o meu filho não terá nenhuma dificuldade em morar por lá”, afirma.

De acordo com Lorentz, há inúmeras histórias de casais que recorreram ao programa e depois decidiram morar nos Estados Unidos. “Existem pessoas que tiveram o filho em Miami e posteriormente decidiram voltar, legalmente, aos EUA. Há também casos em que os pais vieram com o visto em processo de solicitação e conseguiram ficar legalmente no país.”

Distância e consultas rápidas

Para muitos dos brasileiros que recorrem ao serviço, uma das maiores dificuldades é lidar com as consultas médicas nos EUA. “Eles são muito rápidos. As consultas, antes e depois do nascimento do meu filho, não passavam de cinco minutos. Eu senti muita falta do calor humano e da atenção dos profissionais brasileiros”, relata Laura.

A advogada Aline Villa, de 34 anos, recorreu ao programa no fim do ano passado. Ela também reclama da rapidez nas consultas médicas em Miami, porém considera que a distância da família foi a maior dificuldade que encontrou. “A gravidez é um período muito importante para a mulher. Então, foi muito difícil estar distante dos parentes. Mas para ficar mais tranquila, sempre pensava que estava fazendo um bem para o meu filho”, declara.

Aline foi aos Estados Unidos acompanhada do marido, o ex-deputado estadual de Mato Grosso e empresário Dilceu Dalbosco. Eles moram em Sinop (MT). “O meu esposo administrou as empresas de Miami, então não houve problemas nesse sentido”, diz. Eles passaram quase quatro meses nos EUA e gastaram, ao todo, mais de R$ 150 mil. “Por conta da distância e por ser um momento especial, decidimos investir em qualidade e conforto, por isso não nos preocupamos em quanto gastaríamos ao todo”, relata a advogada.

Laura também contou com a presença do marido no período em que permaneceu nos EUA. “Nós ficamos juntos o tempo todo. O apoio dele foi muito importante nesse período”, diz.

Porém, não são todos os pais que conseguem permanecer junto com as mães durante os meses em Miami. Em razão do trabalho como piloto de avião, Panes costumava passar metade da semana em Miami e outra no Brasil, durante a gestação da esposa. Ele acompanhou o parto do filho e semanas depois retomou a rotina no trabalho. Há duas semanas, não consegue tempo para visitar a família.

Aline Villa e o filho no carrinho
‘Foi muito difícil estar distante dos parentes. Mas para ficar mais tranquila, sempre pensava que estava fazendo um bem para o meu filho’, diz Aline Villa

O piloto comenta que a distância é sua maior dificuldade, apesar de manter contato com a esposa durante todo o dia. No último domingo (12), ele passou o seu primeiro Dia dos Pais longe do filho, que somente deve vir para o Brasil em 23 de agosto, quando terminar o ciclo de vacinação.

“No domingo, fiz chamadas em vídeo com a minha esposa, para que eu me sentisse mais próximo a eles. Mas tentei pensar que aquela data não era o Dia dos Pais nos Estados Unidos [o país comemora a data no terceiro domingo de junho]”, relata.

Pela segunda vez

Mesmo com a distância e consultas mais rápidas, Laura afirma ter tido uma experiência muito positiva no nascimento do primogênito em Miami. Em razão disso, retornará aos EUA no fim deste mês. Ela está esperando o segundo filho, que deve nascer no fim de setembro. “Logo que engravidei pela segunda vez, decidi que iria buscar novamente o programa”, conta.

Os parentes dela e do marido não se mostraram favorável aos nascimentos em Miami. “Eles disseram que isso era loucura, que não era necessário ir tão longe”, diz. Porém, ela acredita que está tomando a melhor decisão para o futuro de seus herdeiros. “É um investimento que acreditamos que vale a pena. Mas só saberemos se foi válido, de fato, no futuro, quando nossos filhos estiverem maiores”, declara.

Na primeira vez em que recorreu ao programa, Laura gastou cerca de R$ 120 mil. Na segunda, ela planeja desembolsar menos. “Creio que iremos gastar R$ 100 mil, porque menos que isso é quase impossível, por conta do câmbio do dólar. Mas irei economizar em relação à primeira vez, porque agora conheço lugares aonde ir e como economizar em aluguel e compras”, comenta.

Segundo Lorentz, tem sido comum que pais que tiveram um filho com o programa procurem ter o segundo também em Miami. “A Karina Bacchi, por exemplo, está planejando ter outro filho com a gente”, declara o médico, mencionando a atriz e modelo brasileira. Ela deu à luz um bebê em Miami no ano passado. Bacchi é considerada a maior divulgadora do programa. O pediatra menciona a história dela por diversas vezes durante a palestra.

‘Ajudando os EUA’

Prevendo um aumento na busca de brasileiros pelo programa nos próximos meses, por motivações políticas ou econômicas, Lorentz planeja expandir o serviço e passar a fazer atendimentos também em Orlando, outra cidade na Flórida com grande comunidade brasileira. “Mas ainda não há nada certo. Estamos avaliando essa possibilidade”, conta.

Nas redes sociais, o médico costuma receber críticas e ataques de brasileiros contrários ao projeto. “Eles dizem que eu tento passar a ideia de que ter filhos nos Estados Unidos é melhor do que no Brasil. Mas esses ‘haters’ não me preocupam. Qualquer coisa que você fizer, principalmente se for um tema controverso, vai haver gente falando mal. No fim das contas, mesmo criticando, estão me ajudando a propagar a informação.”

O pediatra acredita que está ajudando os Estados Unidos ao levar brasileiros para ter os filhos no país. “Estou abrindo a porta para pessoas bem-sucedidas terem seus bebês em Miami. São pais que vão cuidar bem de seus filhos. No futuro, essas crianças, como cidadãs americanas, poderão contribuir com a economia norte-americana e poderão levar seus bens para o país”, declara.

*Nome alterado a pedido da entrevistada. Ela alegou ter medo de enfrentar problemas com a imigração dos Estados Unidos, caso exponha que será mãe pela segunda vez em Miami.

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