No mercado virtual da beleza, anúncios de perfis com milhares de seguidores prometem bumbum, rostos e seios perfeitos. As estratégias vão de promoções a sorteios e há até “mutirões” para fazer os procedimentos estéticos. Os grupos também servem de arenas de batalha: de um lado, médicos, a maioria não especialistas, e de outro as chamadas “bombadeiras”, sem diploma na área. Na última semana, esse universo veio à tona após a prisão do médico Denis Furtado, o Doutor Bumbum, acusado pela morte da bancária Lílian Calixto.
O preenchimento do bumbum, técnica aplicada por Furtado em Lílian, é o carro-chefe de quem faz a bioplastia. E o polimetilmetacrilato (PMMA) é a substância mais anunciada nas redes sociais, embora não seja recomendada por entidades médicas. “Não tenho vergonha de falar que faço bioplastia”, diz Eduardo Costa, pediatra, sem especialização em cirurgia, que realiza o procedimento com PMMA em quatro capitais.
Nas redes, ele e outros profissionais interagem com pacientes e tiram dúvidas em textos e vídeos ao vivo. “Tudo é feito em poucas horas, sem internação e somente com anestesia local”, escreveu outro médico em sua página no Facebook, com 41 mil inscritos. Em grupos privados, não é raro ver imagens de bumbuns definidos e comparações do tipo “antes e depois” – o que é vedado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). O agendamento dos procedimentos também é simples.
Em comum, quem faz as bioplastias oferece canais de atendimento via WhatsApp. Basta mandar uma mensagem para receber instruções. Para acelerar, é possível fazer o que chamam de “pré-atendimento” online, com envio de fotos de costas e de lado. Depois, é feita uma consulta presencial e o procedimento pode ser realizado no mesmo dia ou no dia seguinte.
Promoção
Mulheres que supostamente já fizeram a bioplastia se tornam promoters do procedimento e enviam às outras a lista de médicos parceiros do grupo, onde é possível obter desconto. Em fórum no WhatsApp com mais de 200 membros, são anunciados quatro profissionais – um no Rio, dois em São Paulo e outro em Porto Alegre. Segundo o anúncio, seriam cobrados R$ 10 mil para aplicar 200 mililitros de PMMA em cada nádega. Outro tópico indica uma mulher, identificada só pelo primeiro nome, que faz a aplicação do “bumbum padrão” – de 800 ml, a R$ 14,4 mil.
Também há sorteios de bioplastia entre autoras dos primeiros comentários em grupos fechados no Facebook e a organização de mutirões. “Eu e duas amigas nos juntamos e pagamos as passagens aéreas e hospedagem dela (autora da página). Ela fez nossa bioplastia com todo conforto”, disse uma jovem em um desses grupos.
Um dos temas nesses fóruns são os riscos e vantagens de se fazer esse tipo de procedimento com médicos ou outros profissionais, como enfermeiros, biomédicos e esteticistas. “Todo mundo está injetando tudo em todo mundo. As pessoas começaram a se aventurar e tem o ‘braço’ (vertente) das ‘bombadeiras’, diz Costa, em referência a mulheres que não têm formação médica. Ele defende a exclusividade dos médicos e diz “seguir o bom senso” ao definir a quantidade de PMMA.
Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Níveo Steffen diz que o procedimento não é recomendado. “A bioplastia dentro da cirurgia plástica é muito pontual. Não há recomendação disso com finalidade estética.” Ele explica que, embora não exija cortes, o procedimento deveria pressupor cuidados semelhantes aos de cirurgias, como antissepsia do local de aplicação, o que nem sempre ocorre.
Outro problema é o tiro no escuro. “O paciente não sabe o que está sendo injetado. Em vez de colocar PMMA, pode colocar substâncias piores.”
A professora Mônica Fernandes, de 34 anos, é uma das que acompanham as técnicas em grupos virtuais. Em 2017, foi a uma clínica de estética no Rio para injetar PMMA no bumbum, mas acabou convencida a, antes, “melhorar” o formato do rosto. Concordou com a injeção do que imaginava ser ácido hilaurônico – substância permitida –, mas se surpreendeu após três meses. “Desceu, começou a ir para a bochecha, como se estivesse caindo pelo rosto.” Ela não sabe a formação de quem fez a aplicação. “Veio com a seringa pronta e jogou no meu rosto”, diz. “Quis fazer porque estava mais em conta.”
Corregedor do CFM, José Fernandes Vinagre explica que a promessa de resultados, comuns nos anúncios, é vedada. “Há o ‘Vai entrar cheia de celulite e sair sem nenhuma’. Esse tipo de coisa não pode ser prometida.” Sobre o PMMA, o CFM indica que a substância só pode ser injetada em pequenas doses – sem especificar quantidades –, por médicos, e não há estudos sobre a ação a longo prazo do produto. O Conselho Federal de Enfermagem não prevê a prática entre seus profissionais. Já a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que o PMMA é classificado como de “máximo risco” e o procedimento deve ser feito por um profissional habilitado.
‘Curtidas’ e suposta praticidade seduzem pacientes
A suposta facilidade das técnicas anunciadas nas redes sociais e o número de seguidores – só o Dr. Bumbum, preso na semana passada, tinha 660 mil – atraem interessados em procedimentos estéticos. “Resolvi procurá-lo por causa da facilidade de recuperação, eu não precisaria ficar afastada das minhas atividades”, contou ao Estado uma ex-paciente do Dr. Bumbum. Ela teve hidrogel injetado nos seios – técnica proibida – e pagou R$ 7 mil pelo procedimento, há quatro anos. Agora luta para se livrar das deformidades e cicatrizes no corpo.
Na internet, profissionais oferecem serviços que não estão credenciados a fazer e inventam especialidades. “Isso é simples de checar”, diz o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Alexandre Hohl. “Basta entrar na página do Conselho (Regional de Medicina) e digitar o nome do médico para saber se ele tem especialização.”
Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), médicos não podem alardear supostos resultados, nem anunciar especialidades médicas que não existem. Algumas delas são “terapia antienvelhecimento”, “fisiologia hormonal”, “hipertrofia muscular” e “chip da beleza”.
Há 57 especialidades médicas regulamentadas, diz o CFM. E medicina estética – uma das mais citadas nas redes – não é uma delas. “E mesmo um especialista, um cirurgião plástico ou dermatologista não pode postar foto de pacientes em nenhuma hipótese, a Constituição não permite, até mesmo se houver autorização (da paciente)”, diz José Fernandes Vinagre, corregedor do CFM.
“Ainda confiamos naqueles com mais seguidores”, afirma a especialista em comunicação e redes sociais Ana Erthal, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “Cada foto do Dr. Bumbum tem 10 mil, 20 mil curtidas. Enche os olhos das pessoas.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.