O PCC (Primeiro Comando da Capital) e a disputa entre tráfico e polícia impuseram um dilema cruel a quem vive em favelas.
“Prefiro os irmãos. Onde não tem a firma tem essa zoeira do pessoal se matando”, diz C. S., que prefere não ser identificado por razões de segurança. Irmãos e firma são gírias para designar, respectivamente, os integrantes e a própria facção.
O estudo foi feito em parceria com João Manuel Pinho de Mello, do Insper, Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e Alexandre Schneider, ex-secretário de Educação da Prefeitura de São Paulo.
Por crime violento entenda-se a soma de homicídios, apreensão de armas e prisões ligadas ao tráfico de drogas.
O levantamento analisou os dados coletados pela Secretaria de Segurança em 510 favelas de São Paulo entre 2005 e 2009. Para aferir se a favela era ou não dominada pelo PCC, os pesquisadores recorreram aos dados do Disque Denúncia.
A queda nos crimes violentos não ocorreu por um desejo da facção, mas devido a um modelo de negócios, segundo Biderman: a organização criminosa detém o monopólio na distribuição de drogas no atacado, na venda para traficantes menores. Impera em São Paulo o que autores chamam de “pax monopolista”, um cenário diferente daquele do Rio de Janeiro ou do Ceará, onde grupos rivais disputam a bala os pontos
de distribuição de drogas.
São Paulo teve uma das maiores reduções de homicídios nos últimos dez anos, num período em que a taxa de assassinatos só crescia nos outros estados. Entre 2008 e 2017, último dado disponível, o número de ocorrências caiu 63% no estado, um desempenho considerado excelente por especialistas. Os homicídios passaram de 4.426 a 1.638 em dez anos.
A polícia atribuiu a queda ao seu trabalho. Pesquisadores, porém, introduziram outras variáveis, como a queda no número de armas de fogo em circulação após a aprovação do Estatuto do Desarmamento(2003) e a redução no contingente de jovens, os que mais morrem, na população.
Há pelo menos três anos, diferentes pesquisadores passaram a apontar o modelo adotado pelo PCC como um dos fatores responsáveis pela queda da mortalidade no estado.
O então governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), e a polícia atacaram esses trabalhos, dizendo que seus autores faziam apologia do crime. Há também outros pesquisadores que discordam da hipótese.
Ciro Biderman concorda que a facção teve um papel na queda de homicídios, mas decidiu circunscrever esse efeito aos territórios mais violentos, as favelas, por considerar que nesses espaços as variáveis estatísticas são mais facilmente controláveis, o que evitaria distorções e conclusões equivocadas.
“É óbvio que a polícia teve um papel na redução dos homicídios, mas ela não fez isso sozinha. A ‘pax monopolista’ é resultado de um modelo de negócios muito aberto e profissional. O que interessa ao PCC é manter o monopólio sobre o atacado das drogas”, afirma Biderman.
Conflitos violentos e presença policial não são bem vindos porque atrapalham as vendas do tráfico de entorpecentes.
É por isso, ainda de acordo com Biderman, que os crimes violentos caem, mas há, contudo, um crescimento dos crimes contra a propriedade. O PCC não se importaria com essa modalidade porque ela não tem repercussão na venda de cocaína e maconha nos pontos abastecidos pela facção.
O monopólio foi alcançado nos anos 1990, quando a facção dizimou concorrentes como a Seita Satânica e o CDL (Comando Democrático da Liberdade). Hoje o grupo teria cerca de 11 mil filiados, dos quais entre 8.000 e 9.000 estão presos.
O modelo adotado pelo PCC é aberto porque impõe poucas obrigações ao traficante: ele tem de comprar uma cota mensal de drogas da facção, vende pelo valor que achar melhor e é terceirizado. Recebe proteção, mas não faz parte do grupo —o que ocorre quando vai preso.
Pesquisador do PCC no Núcleo de Estudos da Violência da USP e autor de um livro sobre a facção, o jornalista Bruno Paes Manso afirma que a pesquisa encontrou um método original para medir os efeitos inesperados das políticas públicas de segurança.
Paes Manso frisa que a gestão do PCC precisa que não haja mortes por uma razão relativamente óbvia: negócios precisam de previsibilidade. “Se está todo mundo se matando, como acontece no Rio, a facção não consegue planejar o quanto vai importar de cocaína.”
A reação da polícia ao negar esse tipo de estudo prejudica o combate ao PCC, na visão de Paes Manso.
“O Estado só pensa no preso como monstro a ser isolado, mas ele é também um empresário extremamente racional. Se essa racionalidade não for levada em conta, de nada adianta a política de ‘prende e isola’. Porque essa política produz os nossos homens-bomba. Se o Estado não perceber isso, vai fracassar no combate ao PCC.”
Há quem ache a conclusão da pesquisa completamente infundada. Considerado o maior especialista da polícia brasileira na facção, o delegado Ruy Ferraz Fontes diz que não há base científica para concluir que o PCC ajudou a reduzir o número de homicídios. “Não consigo ver dados que permitam fazer essa afirmação de maneira tão incisiva. É muito difícil traduzir essas mortes numa equação”, disse à Folha.
Segundo ele, o modo como o PCC opera não tem capacidade de interferir no número de homicídios: “Os dados podem estar sendo interpretados de maneira errada. Eles brigam entre eles e se matam, matam quem não é da organização e mantêm os homicídios em São Paulo”.
Fontes, delegado-geral da Polícia Civil paulista, tornou-se o maior especialista em PCC na polícia porque abriu o primeiro inquérito contra a facção criminosa, em 2000, e a monitora desde então.
“O PCC manda matar por razões banais, e nós sabemos disso por causa das escutas telefônicas. Tem caso que um integrante manda matar por causa de mulher que arruma outro.”