As democracias morrem hoje pelas mãos de presidentes autoritários eleitos pela população, avalia o cientista político de Harvard Steven Levitsky, que vê no Brasil sinais de vulnerabilidade. “Os Estados Unidos falharam em 2016 e espero que o Brasil consiga evitar isso”, afirmou ele em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulopor telefone. Crítico do pré-candidato à Presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro, ele diz que alterar a composição da uma Suprema Corte está na “página um” de manuais autoritários.
Levistky é autor do livro “Como as democracias morrem”, que figura nas listas de mais vendidos nos Estados Unidos e terá sua versão traduzida para o português vendida no Brasil a partir de setembro, pela editora Zahar. Em 9 de agosto, ele vem ao País para debater a situação da democracia brasileira em evento no Insper.
O que indica que uma democracia está morrendo? Vê esses sinais no Brasil?
Há muitas formas de uma democracia morrer, e não só um sinal único. A democracia no Brasil é considerada por muitos cientistas políticos como uma das mais sólidas da América Latina, então não acredito que há uma morte iminente. Dito isto, o Brasil tem passado por uma crise extraordinária durante os últimos três, quatro anos, a “tripla crise”. O País vive o que talvez seja o maior escândalo de corrupção da história de qualquer democracia: a Lava Jato, que se espalha no Brasil por todos os partidos políticos. A democracia está ameaçada sempre que todo o establishment político perde a confiança dos cidadãos. Quando os cidadãos estão convencidos de que todos os políticos de todos os partidos são corruptos, eles se tornam mais propensos a votar em um outsider que prometa tirá-los de lá. Pode ser um populista como Donald Trump (Estados Unidos) ou (Jair) Bolsonaro, ou como Hugo Chávez (Venezuela) ou (Rafael) Correa (Equador).
E como chegamos a isso?
O descrédito da elite política, somado à terrível performance econômica e à intensa polarização vista desde 2014 são três sinais preocupantes no Brasil. E o quarto é a emergência no cenário eleitoral de candidatos que não estão comprometidos com uma democracia liberal. Jair Bolsonaro diz abertamente que não está comprometido com regras de democracias liberais. Democracias estão sempre vulneráveis à eleição livre de autoritários. A forma como as democracias morrem hoje não é a mesma pela qual a democracia do Brasil morreu em 1964. Não é mais por meio de um golpe militar. São presidentes e primeiros-ministros eleitos que destroem as democracias usando as instituições democráticas. E a forma de prevenir isso de acontecer é prevenindo a eleição de figuras autoritárias. Os Estados Unidos falharam em 2016 e espero que o Brasil consiga evitar o mesmo erro.
É possível dissociar a imagem dos políticos da imagem das instituições que representam?
Esse é um grande desafio que o Brasil enfrenta. Quando toda a elite política de um País entra em descrédito fica difícil separar o descrédito dos políticos do das instituições. E das instituições do da democracia. Como você remove os políticos sem enfraquecer as instituições ou a democracia? O que precisa acontecer é emergir uma nova elite política. Talvez um partido, talvez mais de um partido, talvez um grupo de políticos, com proposta de mudar as práticas e governar sem corrupção.
Há o risco de lideranças autoritárias se apropriarem do discurso anticorrupção?
No contexto em que a percepção dos níveis de corrupção é alto, todos os políticos irão defender o combate à corrupção. É muito difícil para os eleitores acreditar. A chave é identificar os políticos que realmente vão tornar esse discurso uma política ao assumir o gabinete. A reforma democrática no Brasil irá acontecer se esses dois passos vierem. O primeiro passo é fácil. Chávez, Alberto Fujimori (Peru), Trump… Todos se disseram contra a corrupção. Então, de fato, o discurso demagogo anticorrupção é muito comum entre políticos autoritários.
Há caminho democrático fora da política tradicional?
Não. Ao menos, até agora, não há forma de fazer uma democracia funcionar sem políticos e sem partidos.
Por que maiorias em alguns países elegem o que você define como novos autoritários? A sociedade concorda em fragilizar a democracia ou minimiza o risco de um real autoritarismo?
Precisamos diferenciar uma democracia puramente majoritária de democracias liberais. Em democracias liberais há um conjunto de direitos e liberdades individuais – liberdade de expressão, por exemplo – para proteger as minorias. O que chamamos de democracia não é simplesmente aquilo pelo que as pessoas votam. É o que as pessoas votam limitado pelo conjunto de direitos constitucionais. Então, ainda que 99% da população vote por um presidente que prometa acabar com a liberdade de expressão, em uma democracia liberal ele não poderá fazer isso. As pessoas normalmente não votam naqueles candidatos por conta de uma plataforma autoritária. É isso que faz Bolsonaro diferente dos demais casos. Na maioria das vezes – Chávez na Venezuela, Correa no Equador e outros – as pessoas votaram em populistas que, em algum momento quando ascendem ao poder, destroem a democracia em algum nível. Isso é efeito da eleição de um populista. As pessoas estão votando por alguém que promete – dentro de um contexto em que a sociedade está insatisfeita com o status quo – defender o povo contra as elites políticas. Então, em algum sentido, os eleitores são enganados.
No livro, o senhor diz que políticos não podem se tratar como inimigos. Em cenários em que há uma figura autoritária no campo eleitoral, como os opositores devem tratá-la?
Em geral, quando adversários políticos se tratam como inimigos há uma ameaça à democracia. No caso de autoritários, a lição aprendida é que é absolutamente crucial que partidos políticos democráticos de forças diferentes se reúnam em oposição a eles. No caso do Brasil, argumentaria que partidos devem se unir contra Bolsonaro, especialmente se ele for para o segundo turno.
O impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva são episódios que intensificaram a polarização no País. Como você vê esses eventos?
Os brasileiros estão muito polarizados com relação a isso e é muito fácil tomar um lado ou outro. Mas é mais complexo do que isso. Os dois atos foram institucionais, legais, mas os dois são perigosos para a democracia. Aqueles que removeram Dilma e a substituíram criaram um governo completamente diferente do de centro-esquerda. O atual governo vai em outra direção. Isso não respeita o espírito das eleições de 2014. Ainda que o impeachment tenha sido legal, meu entendimento é de que foi politizado e viola o “espírito das leis”. Sobre Lula, eu não tenho os detalhes legais do caso e é impossível portanto tomar posição sobre ele ter cometido ou não um crime. Isto posto, é preciso ser muito cuidadoso ao se excluir um candidato da corrida presidencial. É algo perigoso a se fazer.
O pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro falou em ampliar o número de cadeiras no STF se eleito. Como você analisa isso?
Alterar a Suprema Corte está na página um de todos os manuais autoritários por aí. É uma das primeiras medidas que autoritários fizeram na Argentina, na Turquia, na Hungria, na Venezuela, no grupo de Fujimori (Peru). Todos eles. E Bolsonaro está dizendo isso antes de chegar ao poder, é honesto nesse sentido, pois a maioria dos autoritários esconde isso durante a campanha. Mas é extremamente perigoso dar a alguém no mandato do Executivo o poder de remodelar a Corte.
Outro professor de Harvard, Steven Pinker, acredita que os rumores sobre a morte da democracia são exagerados. Como você vê?
Há desafios para as democracias do mundo hoje. A democracia está perdendo poder, influência e prestígio e isso provavelmente é um desafio em muitas partes do mundo. Acho que é uma preocupação real e não sou tão otimista quanto Steven Pinker.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.