Em um procedimento inédito, uma mulher trans do interior de São Paulo passou, na última terça-feira (23), na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), por uma cirurgia de reconstrução vaginal com pele de tilápia — peixe de água doce criado no Brasil desde os anos 1950. O mesmo procedimento tem sido realizado com tecido do próprio pênis. A nova técnica, desenvolvida pelo ginecologista Leonardo Bezerra, da Universidade Federal do Ceará, é utilizada desde 2017, com sucesso, em mulheres portadoras da síndrome Rokitansky, muito rara, que provoca a má formação da vagina.
Bezerra diz que a paciente os procurou quando soube do método pelas redes sociais. “Ela já havia realizado a cirurgia de redesignação sexual pelo método tradicional, com a pele do próprio pênis, mas o canal vaginal ficou curto, não funcional, e havia corpos cavernosos (resquícios do pênis) que precisavam ser retirados.” Normalmente, a cirurgia levaria 40 minutos. Mas a necessidade de resseção dos corpos cavernosos a prolongou por três horas. Ainda assim, um tempo bem inferior ao da que se realiza com o tecido intestinal — que é mais invasiva e apresenta um tempo re recuperação maior.
Acrílico e silicone
A cirurgia foi realizada por uma equipe multidisciplinar que reuniu Bezerra, o ginecologista Luiz Gustavo Brito e urologista Cassio Ricetto, os dois da Unicamp. Sem necessidade de cortes na barriga, foi feita pela genitália e com anestesia peridural. Bezerra explica que o procedimento consiste em afastar o reto da bexiga e introduzir naquele “espaço virtual” uma prótese de acrílico envolvida pela pele da tilápia. Assim que ela é incorporada ao epitélio vaginal, em cerca de sete dias, a paciente substitui o molde de acrílico por outro de silicone (semelhante a um absorvente higiênico), para que o canal não se feche. A expectativa a paciente estará apta para relação sexual em até três meses.
Segundo o professor, a tilápia é o segundo peixe em produção do mundo: “Só perde para a carpa”, e o primeiro do Brasil. “O filé é utilizado para fins comerciais, mas sua pele é um produto de descarte, vai direto para o lixo. Apenas 1% é aproveitado em um artesanato rudimentar.” Por outro lado, Bezerra diz que o banco de pele humana no país não atende 1% da demanda dos queimados.
Embalagem a vácuo
Uma força tarefa de quase cem profissionais — biólogos, químicos, farmacêuticos — foi mobilizada para desenvolver a técnica de conservação da pele da tilápia: “O tecido é muito frágil, não seria possível transportar no gelo. Assim, é preciso submetê-la a processos de esterilização e liofilização (desidratação), antes de embalar a vácuo. Então, é possível levá-la na bolsa, como se fosse ma embalagem de gelatina.”
As cirurgias feitas até agora, em mulheres, mostraram que a pele do peixe foi bem incorporada ao organismo. Em relação à mulher trans, ela passa bem e já foi caminha pelo quarto, o que é um bom sinal. Como ainda está em recuperação, preferiu não dar entrevistas nem se identificar.
Universa UOL