O enfermeiro Mailton Alves de Albuquerque, 41, e o empresário Wilson Alves de Albuquerque, 46, decidiram ter filhos em 2002. O sonho do casal, que mora no Recife, virou realidade em 2012, com o nascimento de Maria Tereza, fruto da relação dos dois com a ajuda da fertilização in vitro, com o útero “emprestado” por uma amiga. A família ganhou o quarto integrante em 2014, quando o casal recorreu novamente ao procedimento para gerar Theo.
No Dia dos Pais, celebrado neste domingo (12), eles comemoram muito mais que o fato de existir como família, mas o direito de ter registrado os nomes dos dois pais nas certidões de nascimento das crianças. Após as férias em um cruzeiro na Europa, os dois fizeram questão de voltar para casa no sábado (11), a tempo de festejar e dividir o dia que celebra sua paternidade ‘dupla’.
Casados há 21 anos, os dois enfrentaram diversos dos trâmites impostos aos homossexuais, até ter direitos reconhecidos pela Justiça. Eles formam o primeiro casal homoafetivo a ter dupla paternidade reconhecidalegalmente. Com o nascimento de Theo, Mailton teve a primeira licença paternidade de seis meses concedida a um homem gay, no Brasil.
Em 2011, eles oficializaram a união, antes da resolução do Supremo Tribunal Federal (STF) que obrigou os cartórios a realizar casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Com dois filhos pequenos, levam uma vida longe de ser tranquila, fato que, para eles, não difere em nada de um casal heteronormativo. Segundo Mailton, a diferença está nos tabus estabelecidos pela sociedade, que, na casa deles, não são quebrados, pois não chegam a existir.
“Uma família homonormativa não diverge em nada de uma heteronormativa, com todas as dificuldades da criação de um filho. A verdade tem sempre que imperar diante dos questionamentos. Sempre contamos para eles, com a capacidade que eles têm de receber suas próprias histórias. Se perguntarem a Maria Tereza se ela tem mamãe, ela responde, muito firme, que tem dois papais. Theo, embora menor, trata a coisa de forma muito objetiva”, explica Mailton.
Quando pensam nas limitações estabelecidas pela sociedade, Mailton e Wilson acreditam que, na verdade, a existência dos quatro enquanto família é o suficiente para ajudar a construir uma sociedade mais igualitária e sem preconceitos.
“Tivemos um momento muito feliz na escola, quando alguns pais nos procuraram e agradeceram por proporcionar aos filhos deles a oportunidade de estudar com filhos de um casal homoafetivo. Eles nunca iriam conversar sobre isso com as crianças se elas não chegassem em casa dizendo ‘papai, mamãe, Maria Tereza tem dois papais’, fazendo com que eles se sentissem na missão de mostrar que existem outras configurações familiares”, explicou Mailton.
Segundo o enfermeiro, a receptividade na escola dos filhos tem sido boa, aspecto que motivou a escolha da instituição de ensino para as duas crianças. “Essas crianças, com certeza, serão menos preconceituosas e vão compreender o mundo com suas diferenças”, acrescentou.
Sobre o preconceito que enfrentam as pessoas LGBT+, Mailton considera a família sortuda, já que as crianças têm contato e transitam normalmente entre as famílias e amigos dos dois pais. Apesar disso, ele reconhece que o caso chega a ser uma exceção.
“Os trouxemos ao mundo numa configuração diferente e sabemos disso, mas estruturamos eles com uma base familiar. Nossa família e amigos colaboram e nossos filhos nos enxergam de forma muito acolhedora, se sentem protegidos nesse laço familiar. Mas sei que a dor e a luta do homossexual que mora numa comunidade é totalmente diferente da minha, que tenho um certo nível de escolaridade e frequento certos ciclos sociais, e isso interfere”, considera Mailton.
“Vamos vencendo uma etapa por vez, sem sofrer por antecedência, celebranco cada conquista para os direitos igualitários. Nossa família é igual qualquer outra”, diz Mailton.
Menos falante que o marido, o empresário Wilson explica que os programas preferidos da família estão longe de serem pacatos e tranquilos. Há sempre algo para fazer e conhecer, dentro e fora de casa. Mesmo com a pouca idade, as crianças já viajaram para fora do país e experimentaram um pouco daquilo que os dois pais fazem questão de oferecer.
“Nossos filhos gostam muito de cinema, praia, teatro. Uma vez na semana, levamos eles para conhecer um restaurante ou uma cozinha diferente. Para mim, paternidade é ter a responsabilidade de criar e educar nossas crianças com valores básicos de ética e moral, para que eles possam respeitar o próximo e, assim, exigirem seu respeito. Isso é algo que está muito difícil ultimamente”, afirmou Wilson.
Quando pensaram em ter filhos por meio da fertilização in vitro, os dois decidiram que eles seriam irmãos biológicos. Maria Tereza foi gerada com o espermatozóide de Mailton, com o óvulo de uma doadora anônima, que também doou o segundo óvulo, para a concepção de Theo. Dessa vez, o gameta foi fecundado pelo espermatozóide de Wilson.
“Vivemos num país democrático, onde a divergência de opinião deveria ser saudável. Sou casado há 21 anos e respeito as pessoas que não concordam com nossa união ou com a vida dos nossos filhos, mas espero que nos respeitem. Esse é o ponto chave. Assim, vamos tocando o barco e vivendo a vida. O amor da nossa família supera todos os obstáculos”, disse Mailton.