Na noite do último dia 21, o músico Luciano (ele e todos os entrevistados pedem para terem seus nomes alterados por segurança), 26, caminhava pelas ruas de Moema, na zona sul, quando foi abordado por dois homens em uma motocicleta.
Um deles, na garupa, tinha uma mochila-baú de um aplicativo de entregas, e, depois de anunciar o assalto, fugiu levando o celular de Luciano.
O caso, publicado em uma rede social, é um entre as dezenas de exemplos de uma nova modalidade de crime na capital paulista: os roubos praticados por supostos entregadores de empresas como Rappi, iFood e Uber Eats.
Segundo os relatos, homens uniformizados com as jaquetas e mochilas de aplicativos, com as cores e a logomarca da empresa, aproveitam momentos de distração de pedestres que utilizam o telefone, mas também fazem abordagens mais ostensivas a quem não está com o aparelho na mão.
No caso da auxiliar administrativa Carolina, 22, o assaltante tentou arrancar sua bolsa enquanto ela saía, a pé, de um supermercado também em Moema. “Ouvi o motoqueiro desacelerando e entrando no estacionamento, ele tinha a mochila do aplicativo. Passou devagar perto de mim, puxou meu braço, mas não conseguiu pegar nada e foi embora acelerando”, diz.
“A motocicleta é, de longa data, utilizada nos mais variados crimes. Vez ou outra, novas modalidades aparecem”, afirma José Vicente da Silva, ex-secretário nacional de Segurança Pública, consultor e especialista no tema.
“Ainda temos quantidades enormes de postos de gasolina roubados com motos, por exemplo. Isso se dá pela agilidade que ela oferece, e pelo fato de que o criminoso pode se mascarar com o capacete.”
Para ele, a cada vez que uma novidade como essa surge, vem também o que ele chama de “período de cópia”.
“Tivemos recentemente muitos assaltos a shopping centers e arrastões em restaurantes. As práticas vão e voltam, vão sendo imitadas. Temos mais de 500 mil assaltos por mês em São Paulo, e alguns chamam atenção”.
A advogada Graziela, 35, passeava em uma praça no Morumbi, no dia 22 de fevereiro, quando foi abordada. “Na hora levei um susto e vi que ele tinha uma coisa atrás da moto, mas não identifiquei qual era o aplicativo. Daí um rapaz veio acudir a mim e a uma outra moça que o cara roubou também depois de mim, e foi ele quem disse que era mochila da Rappi, e que a placa da moto estava levantada.”
Carolina, 37, perdeu o celular e a aliança em um assalto no Jardim Bonfiglioli em 21 de março. Depois de apontar a arma e roubá-la, o criminoso fugiu. “Tive muito medo de morrer. Agora, evito o trajeto por ruas desertas e opto por aquelas com maior movimento. Também adaptei meu horário de trabalho para sair mais cedo e evitar ficar parada em congestionamentos.”
Em nota, a Rappi diz lamentar e repudiar os episódios, mas explica que, porque a startup é registrada no Inpi em diversas categorias, inclusive como moda e vestuário, a compra de produtos da marca é facilitada a qualquer pessoa em diversos canais, como o Mercado Livre e a OLX.
Em uma busca na internet, é possível encontrar os baús por valores a partir de R$ 98.
“O uso de elementos com o logo da empresa não indica vínculo de cadastramento ou prestação de serviços ao aplicativo”, diz a Rappi, que lembra que entregadores cadastrados não possuem vínculo empregatício com a empresa.
“A Rappi analisa os antecedentes criminais dos cadastrados como forma de zelar pela segurança e integridade dos consumidores e cidadãos. Todo tipo de conduta ilícita é repudiada, e os entregadores cadastrados, se envolvidos em atos ilícitos, serão imediatamente retirados da plataforma”, afirma a empresa.
Já a marca iFood, que aparece na mochila de um assaltante em um vídeo, esclarece que tem um único canal oficial autorizado a vender suas mochilas, ao qual só estabelecimentos formalmente cadastrados têm acesso.
“A comercialização das mochilas por outros sites é indevida, e a empresa tomará as providências cabíveis para coibi-la”, diz, prometendo, ainda, que vai apurar a ocorrência.
A Uber Eats, por sua vez, se limitou a um curto comunicado. “Não foi possível verificar se as ocorrências mencionadas se deram em entregas com o aplicativo da Uber Eats, pois a reportagem não forneceu à empresa qualquer informação sobre os veículos ou indivíduos que permitissem identificar o caso.”
Depois de ser roubada ao lado da filha de oito anos na Vila Olímpia, a empresária Alessandra, 37, reencontrou o criminoso. O assalto aconteceu em 26 de janeiro. Quase dois meses depois, ela atravessava a rua no mesmo bairro quando reconheceu o assaltante, também a pé, e com uma mochila com a marca da Rappi.
“Ele percebeu que eu o reconheci, pegou a moto e fugiu correndo na contramão. Quer dizer: ele trabalha ali na região, senão não estaria andando ali tranquilamente, e fica fazendo esses pequenos delitos. Eu morro de medo agora. Chega uma moto perto de mim e já começo a tremer”, afirma.
Para o consultor José Vicente da Silva, o controle deste tipo de crime depende de uma reação eficiente da polícia. “A identificação da motocicleta e eventualmente da placa podem ajudar a Polícia Civil a traçar um perfil de atuação e região, e se aplicar na investigação desses casos”, avalia.
Em nota, a Polícia Militar disse que vai intensificar o policiamento nos locais em que os crimes foram registrados.
“Quatro ocorrências com as características mencionadas pela reportagem são investigadas pelo 27º DP (Campo Belo) e pelo 96º DP (Cidade Monções). O assunto também é discutido em reuniões da Conseg (Coordenadoria Estadual dos Conselhos Comunitários de Segurança)”, conclui.