O Exército deve entrar em campo para ajudar o Ministério Público de São Paulo e a Polícia Civil a aprimorar seus mecanismos de investigação de crimes cometidos com ajuda da Internet. Na semana que vem haverá uma reunião entre estes órgãos para discutir ferramentas e ações conjuntas que possam prevenir ataques terroristas orquestrados com uso da web – e mais especificamente da Deep Web, a Internet que não é indexada por mecanismos de busca tradicionais como o Google. A informação foi confirmada ao EL PAÍS nesta segunda-feira pelo coordenador do Núcleo de Combate aos Crimes Cibernéticos do MP-SP, o procurador Paulo Marcos Ferreira Lima. O anúncio veio dias depois do procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Smanio, afirmar que o órgão investiga se os autores do massacre na escola Professor Raul Brasil, em Suzano, teriam orquestrado o ataque com o auxílio de fóruns radicais hospedados na deep web.
Lima, que foi responsável pela criação do núcleo três anos atrás, afirma que o MP e as polícias estaduais não contam com as ferramentas adequadas para investigar este tipo de crime. “Falta formação de pessoal, gasto em equipamento e treinamento”, lamenta. Por isso o procurador acredita que a reunião (que deve incluir também representantes da Marinha) pode ser positiva. Segundo ele, o setor de inteligência do Exército, seguido pela Polícia Federal, seriam as autoridades com mais know-how e recursos para investigar e prevenir este tipo de crime. “Por isso as tratativas junto a estes órgãos. Temos que procurar meios melhores de investigação, mais rápidos, trabalhando em conjunto, para que aconteçam menos casos”, diz.
O procurador é pessimista quanto à ocorrência de novos ataques como o massacre de Suzano no país. “A tendência natural é que ocorram mais casos em virtude de problemas homofóbicos, racistas ou religiosos”, diz. Para ele, o Brasil “não é uma ilha”. “O país tem que se acostumar com o fato de que será alvo de terrorismo sim. Esse sonho brasileiro de que somos imunes às guerras é algo que precisa ser desmistificado. Fazemos parte do mundo, não somos esta ilha do samba e do carnaval”, afirma.
Uma ameaça coordenada por radicais brasileiros com auxílio de estrangeiros não é descartada. De acordo com Lima, “informações repassadas pelo Exército dão conta de que os extremistas que atuam nos chans[os fóruns anônimos da deep web] brasileiros trocam informações e experiências com integrantes de chans estrangeiros”. O autor do massacre na cidade de Christchurch, na Nova Zelândia, que deixou 50 mortos em duas mesquitas, também era usuário destes fóruns, onde se troca de fotos de pornografia infantil a dicas de como realizar um ataque.
Lima destaca ainda o papel que o Estado de São Paulo tem nos crimes cometidos com ajuda da Internet. “Somos um dos primeiros quando o assunto é ataque de hackers: de acordo com dados da Microsoft, nos últimos anos 90% de todos os ataques registrados na América Latina partiram daqui”, afirma. Mas se os crimes são muitos, as autoridades responsáveis por investigá-los são poucas. “Temos apenas uma delegacia de crimes cibernéticos, que é focada mais em crimes financeiros. Uma delegacia para 44 milhões de habitantes [em São Paulo]. É preciso que as pessoas entendam que não é crime ‘de Internet’, e sim crime cometido por meio da Internet”, diz Lima.
Indagado se o MP consegue agir preventivamente nestes casos, Lima nega. “Não. Infelizmente temos que correr atrás de cada caso que acontece. É muita informação, e nossa capacidade de evitar estes crimes é mais lenta do que deveria ser para resolver o problema, ou ao menos mitigá-lo”.