Após 20 anos de negociação, Brasil e EUA fecham acordo sobre base de Alcântara

Depois de quase 20 anos de negociação, Brasil e Estados Unidos concluíram as tratativas para o novo acordo de salvaguardas tecnológicas, que permite o uso comercial da base de Alcântara, no Maranhão, para o lançamento de satélites, mísseis e foguetes. 

O documento está sendo revisado por integrantes dos governos brasileiro e americano para que possa ser assinado durante a vista do presidente Jair Bolsonaro aos EUA, na próxima semana.

A informação foi antecipada pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmada pela Folha.

O acordo era visto por pessoas envolvidas na preparação da viagem de Bolsonaro a Washington como a medida  concreta a ser anunciada no encontro do líder brasileiro com o presidente americano, Donald Trump.  Segundo integrantes do Planalto, as conversas entre ambos serão em torno da troca de informação nas áreas de inteligência, defesa e segurança, além da situação na Venezuela —o Brasil é contra a intervenção no país vizinho.

O novo acordo de salvaguardas tecnológicas prevê a proteção de conteúdo com tecnologia americana utilizado no lançamento de foguetes e mísseis a partir de Alcântara —a base é visada porque fica próxima à linha do equador e, assim, economiza o consumo de combustível em 30%.

Sem o trato, a base brasileira ficaria limitada, já que hoje 80% do mercado espacial utiliza tecnologia americana.

Brasil e Estados Unidos já haviam tentado fechar o acordo em 2000, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o documento. Mas o texto foi rejeitado à época pelo Congresso, que entendeu que ele feria a soberania nacional.

A partir dali, a grande questão a ser resolvida era permitir o acesso e conhecimento sobre os lançamentos que seriam feitos na base e, ao mesmo tempo, proteger a propriedade intelectual dos americanos.

Em junho do ano passado, as negociações foram retomadas e essas questões foram dirimidas com mudanças no texto que diminuíram a possibilidade de interferência dos EUA.

A previsão de proteção de conteúdo americano, por exemplo, ficou restrita a mísseis, foguetes, artefatos e satélites só quando tiverem tecnologia ou equipamentos dos EUA— antes era previsto que a proteção seria de toda a tecnologia utilizada.

“O acordo de salvaguardas,  por si só, seria um avanço relevante, depois de uma espera de quase 20 anos”, disse Sergio Amaral, embaixador do Brasil em Washington. “Mas é mais do que isso. Abre o caminho para proveitosas parcerias empresariais e para ampla cooperação espacial com os EUA,  tal  como previsto no memorando assinado por ocasião da visita do vice-presidente [Mike] Pence ao Brasil, no ano passado.”

Os recursos obtidos da exploração comercial de Alcântara poderão ser usados no Programa Espacial Brasileiro. O acordo foi firmado para um ano, mas pode ser renovado.

Colaborou Patrícia Campos Mello

CRONOLOGIA

A atribulada história do desenvolvimento de foguetes do Programa Espacial Brasileiro

1965 – O Brasil lança, o Sonda 1, um pequeno foguete usado para pesquisa meteorológica, no Centro da Barreira do Inferno, no Rio Grande do Norte

1983 – O CLA (Centro de Lançamento de Alcântara), no Maranhão, é inaugurado próximo ao equador, área favorável para colocar satélites em órbita

1984 – Com a expansão das obras famílias quilombolas que habitavam o local começam a ser removidas para agrovilas ao sul

1985 – O IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço) começa a desenvolver o VLS-1, primeiro foguete brasileiro capaz de lançar um satélite

1989 – O CLA realiza sua primeira operação, disparando mísseis do tipo SBAT em teste

1997 – A primeira tentativa de lançamento do VLS-1 falha, destruindo o SCD-2A, um satélite de coleta de dados

1999 – A segunda tentativa também dá errado, destruindo o SACI-2, satélite científico projetado pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais)

2001 – A (Organização dos Estados Americanos) questiona a instalação do CLA em terras que historicamente ocupadas por famílias quilombolas

2000 – EUA fazem proposta para usar Alcântara com sigilo total sobre seus equipamentos, o que não foi aceito pelo Congresso brasileiro

2003/Jan. – Brasil negocia acordo de cooperação com a Ucrânia para lançar o foguete Cyclone-4 desde Alcântara, tomando mais uma área dos quilombolas

2003/Ago. – O VLS-1 explode durante trabalhos de preparação do terceiro lançamento, matando 21 técnicos e engenheiros

2005 – Uma investigação criminal termina concluindo que o acidente não teve culpados; famílias dos mortos são indenizadas com R$ 100 mil

2008 – Após conflitos fundiários, governo desiste de instalar base do Cyclone-4 dentro de área quilombola; projeto é movido para dentro da área do CLA

2010 – O IAE retoma as tentativas de lançamento e faz voar um “meio foguete”, o VLS-1B, que consiste apenas do estágio superior

2013 – O governo promete mais uma tentativa de lançamento da versão completa do VLS-1 para 2015; atraso compromete agenda do Cyclone-4

2015 – Após quase 12 anos de atrasos, o governo cancelou o acordo bilateral para o lançamento de foguetes ucranianos com satélites comerciais de Alcântara. Os dois governos gastaram aproximadamente R$ 1 bilhão. A alegação foi o custo do lançador de satélites Cyclone-4, alto num cenário de contração fiscal

2018 – No governo Temer, Brasil e EUA retomaram as negociações pela 1ª vez em 16 anos para um acordo que permita o uso da base de lançamento de foguetes em Alcântara, no Maranhão. O país norte-americano analisou contraproposta brasileira apresentada em 2017

2019 – O ministro da Ciência e astronauta Marcos Pontes disse em janeiro que o acordo com os Estados Unidos para uso de Alcântara estava bem adiantado e terá salvaguardas que respeitarão a soberania nacional. O acordo foi fechado em março

Folha de São Paulo
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